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A história da loucura na idade clássica

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É preciso utilizar as paixões se o doente não pode ser levado, pela razão,<br />

a fazer aquilo que é necessário para o restabelecimento do sua saúde 83 .<br />

Portanto, não é possível, a rigor, utilizar, como uma distinção<br />

váli<strong>da</strong> <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong>, a diferença, para nós imediatamente<br />

decifrável, entre medicamentos físicos e medicamentos psicológicos<br />

ou morais. A diferença só começará a existir em profundi<strong>da</strong>de no<br />

momento em que o medo não for mais utilizado como método de<br />

fixação do movimento, mas como punição; quando a alegria não<br />

significar a dilatação orgânica, mas a recompensa; quando a cólera<br />

não passar de uma resposta à humilhação; em suma, quando o<br />

século XIX, ao inventar os famosos "métodos morais", tiver<br />

introduzido a <strong>loucura</strong> e sua cura no jogo <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de 84 . A<br />

distinção entre o físico e o moral só se tornou um conceito prático <strong>na</strong><br />

medici<strong>na</strong> do espírito no momento em que a problemática <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

se deslocou para uma interrogação do sujeito responsável. O espaço<br />

puramente moral, então definido, dá as medi<strong>da</strong>s exatas dessa<br />

interiori<strong>da</strong>de psicológica em que o homem moderno procura tanto<br />

sua profundi<strong>da</strong>de quanto sua ver<strong>da</strong>de. A terapêutica física tende a<br />

tor<strong>na</strong>r-se, <strong>na</strong> primeira metade do século XIX, a cura do determinismo<br />

inocente, e o tratamento moral, a <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de falível. A psicologia,<br />

como meio de cura, organiza-se doravante ao redor <strong>da</strong> punição.<br />

Antes de procurar tranqüilizar, ela atenua o sofrimento no rigor de<br />

uma necessi<strong>da</strong>de moral.<br />

Não utilize as consolações, pois são inúteis; não recorra aos raciocínios,<br />

pois eles não convencem. Não seja triste com os melancólicos, sua<br />

tristeza acarretará a deles; não assuma com eles um ar alegre, eles se<br />

sentiriam feridos com isso. Muito sangue-frio e, quando necessário,<br />

severi<strong>da</strong>de. Que sua razão seja a regra de conduta deles. Uma única cor<strong>da</strong><br />

vibra ain<strong>da</strong> neles, a <strong>da</strong> dor; tenha coragem suficiente para tocá-la 85 .<br />

A heterogenei<strong>da</strong>de do físico e do moral no pensamento médico<br />

não se originou <strong>da</strong> definição de Descartes <strong>da</strong>s substâncias extensa e<br />

pensante; um século e meio de medici<strong>na</strong> pós-cartesia<strong>na</strong> não<br />

conseguiu assumir essa separação ao nível de seus problemas e seus<br />

83 SCHEIDENMANTEL, Die Leidenschaften, abs Heilemittel betrachtet, 1787. Cit. in<br />

PAGEL-NEUBURGER, Handbuch der Geschichte der Medizin, III, P. 610.<br />

84 Guislain apresenta a seguinte lista dos se<strong>da</strong>tivos morais: o sentimento de<br />

dependência, as ameaças a fala severa, os ataques ao amor-próprio, o isolamento,<br />

a reclusão, as punições (como a cadeira giratória, a ducha brutal, a<br />

uleira de repressão d. Rush) e às vezes a fome e a sede. Traité des<br />

phrénopaties, PP. 405-433.<br />

85 LEURET, Fragments psychologiques sur la folie, Paris, 1834, cf. «Un exemple<br />

typique», PP. 308-321.<br />

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