15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

compensado por uma reação de medo:<br />

É pela força que se triunfa sobre os furores do maníaco, é opondo o temor<br />

à cólera que a cólera pode ser domi<strong>na</strong><strong>da</strong>. Se o terror de um castigo e de<br />

uma vergonha pública se associa no espírito aos acessos de cólera, um<br />

não se manifesta sem o outro: veneno e antídoto são inseparáveis 80 .<br />

Mas o medo não é eficaz ape<strong>na</strong>s ao nível dos efeitos <strong>da</strong> doença:<br />

é a própria doença que ele consegue atingir e suprimir. O medo, com<br />

efeito, tem a proprie<strong>da</strong>de de imobilizar o funcio<strong>na</strong>mento do sistema<br />

nervoso, de algum modo petrificando as fibras demasiado móveis,<br />

pondo um freio a todos os movimentos desorde<strong>na</strong>dos.<br />

Como o medo é uma paixão que diminui a excitação do cérebro, ele pode<br />

por conseguinte acalmar o excesso e, sobretudo, a excitação irascível dos<br />

maníacos 81 .<br />

Se o par antitético do medo e <strong>da</strong> cólera é eficaz contra a irritação<br />

maníaca, pode ser utilizado, em sentido inverso, contra os temores<br />

infun<strong>da</strong>dos dos melancólicos, hipocondríacos e todos aqueles com<br />

temperamentos linfáticos. Tissot, retomando a idéia tradicio<strong>na</strong>l de<br />

que a cólera é uma descarga <strong>da</strong> bílis, acredita que ela é útil <strong>na</strong><br />

dissolução dos fleumas reunidos no estômago e no sangue.<br />

Submetendo as fibras nervosas a uma tensão mais forte, a cólera<br />

atribui-lhes mais vigor, restitui a elastici<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong> e permite assim<br />

dissipar o temor 82 . A cura <strong>da</strong>s paixões repousa numa constante<br />

metáfora <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des e dos movimentos; ela implica sempre o<br />

fato de que estes sejam de imediato transferíveis em sua mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de<br />

própria do corpo para a alma e inversamente. Deve-se utilizá-la, diz<br />

Scheidenmantel no tratado que desti<strong>na</strong> a essa forma de cura,<br />

"quando a cura necessita, no corpo, de mu<strong>da</strong>nças idênticas às<br />

produzi<strong>da</strong>s por essa paixão". E é neste sentido que ela pode ser o<br />

substituto universal de qualquer outra terapêutica física; é ape<strong>na</strong>s um<br />

outro caminho para próduzir o mesmo encadeamento de efeitos.<br />

Entre uma cura pelas paixões e uma cura pelas receitas <strong>da</strong><br />

farmacopéia, não há diferenças de <strong>na</strong>tureza, mas uma diversi<strong>da</strong>de no<br />

modo de acesso a esses mecanismos comuns ao corpo e à alma.<br />

80 CRICHTON On Mental Diseases, cit. in REGNAULT, Du degré de compétence, pp.<br />

187-188.<br />

81 CULLEN, Institutions de médecine pratique, II, p. 307.<br />

82 TISSOT, Traité des nerfs, II.<br />

360

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!