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A história da loucura na idade clássica

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autóctones e de estar em relação ape<strong>na</strong>s consigo mesmos, tomaram<br />

to<strong>da</strong> sua significação de empréstimo ao olhar universal <strong>da</strong> consciência<br />

burguesa. Nessa cisão entre escân<strong>da</strong>lo e segredo, o crime perdeu sua<br />

densi<strong>da</strong>de real, passando a ocupar lugar num mundo semiprivado,<br />

semipúblico. Enquanto pertencente ao mundo privado, ele é erro,<br />

delírio, imagi<strong>na</strong>ção pura, portanto inexistente. Enquanto pertencente<br />

ao próprio mundo público, ele manifesta o desumano, o insensato,<br />

aquilo em que a consciência de todos não consegue reconhecer-se,<br />

aquilo que não está baseado nela, portanto aquilo que não tem o<br />

direito de existir. De todo modo, o crime se tor<strong>na</strong> irreal, e no não-ser<br />

que ele manifesta ele descobre seu profundo parentesco com a<br />

<strong>loucura</strong>.<br />

O inter<strong>na</strong>mento clássico já não era o indício de que esse<br />

parentesco já existia, há muito tempo? Não confundia ele numa<br />

mesma monotonia as fraquezas do espírito e as do comportamento,<br />

as violências <strong>da</strong>s palavras e dos gestos, envolvendo - os <strong>na</strong> apreensão<br />

maciça do desatino? Mas não era para atribuir-lhes uma psicologia<br />

comum que denunciaria em uns e outros os mesmos mecanismos <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>. A neutralização era aí procura<strong>da</strong> como um efeito. A não--<br />

existência vai ser agora desig<strong>na</strong><strong>da</strong> como origem. E, através de um<br />

fenômeno de recorrência, o que se obtinha no inter<strong>na</strong>mento a título<br />

de conseqüência é descoberto como princípio de assimilação entre a<br />

<strong>loucura</strong> e o crime. A proximi<strong>da</strong>de geográfica onde eram coagidos a<br />

fim de serem reduzidos tor<strong>na</strong>-se vizinhança genealógica no não-ser.<br />

Essa alteração já é perceptível no primeiro caso de crime<br />

passio<strong>na</strong>l proposto <strong>na</strong> França diante de um júri e em sessão pública.<br />

Um evento como esse não é normalmente retido pelos historiadores<br />

<strong>da</strong> psicologia. Mas, para aquele que quer conhecer a significação<br />

desse mundo psicológico, que se abriu para o homem ocidental ao<br />

fi<strong>na</strong>l do século XVIII e no qual ele foi levado a procurar sua ver<strong>da</strong>de<br />

ca<strong>da</strong> vez mais profun<strong>da</strong>mente, a ponto de agora querer decifrá-la até<br />

a última palavra; para quem quiser saber o que é a psicologia, não<br />

enquanto corpo de conhecimentos, mas como fato e expressão<br />

culturais próprios do mundo moderno, esse processo e a maneira<br />

pela qual foi conduzido têm a importância de um limiar ou de uma<br />

teoria <strong>da</strong> memória. Todo um novo relacio<strong>na</strong>mento do homem com<br />

sua ver<strong>da</strong>de está em vias de ser aí formulado.<br />

Para situá-lo com exatidão, pode-se compará-lo com qualquer<br />

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