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A história da loucura na idade clássica

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grandes dilaceramentos que ele quis simbolizar através <strong>da</strong> luta<br />

mitológica entre a libido e o instinto de morte. É ela, enfim, essa<br />

consciência, que veio a exprimir-se <strong>na</strong> obra de Artaud, nesta obra<br />

que deveria propor, ao pensamento do século XX, se ele prestasse<br />

atenção, a mais urgente <strong>da</strong>s questões, e a menos suscetível de deixar<br />

o questio<strong>na</strong>dor escapar à vertigem, nesta obra que não deixou de<br />

proclamar que nossa cultura havia perdido seu berço trágico desde o<br />

dia em que expulsou para fora de si a grande <strong>loucura</strong> solar do<br />

mundo, os dilaceramentos em que se realiza incessantemente a "vi<strong>da</strong><br />

e morte de Satã, o Fogo".<br />

Enfim, são essas descobertas extremas, e ape<strong>na</strong>s elas, que nos<br />

permitem, atualmente, considerar que a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que<br />

se estende do século XVI até hoje deve sua figura particular, e a<br />

origem de seu sentido, a essa ausência, a essa noite e a tudo o que a<br />

ocupa. A bela retidão que conduz o pensamento racio<strong>na</strong>l à análise <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> como doença mental deve ser reinterpreta<strong>da</strong> numa dimensão<br />

vertical; e neste caso verifica-se que sob ca<strong>da</strong> uma de suas formas<br />

ela oculta de uma maneira mais completa e também mais perigosa<br />

essa experiência trágica que tal retidão não conseguiu reduzir. No<br />

ponto extremo <strong>da</strong> opressão, essa explosão, a que assistimos desde<br />

Nietzsche, era necessária.<br />

Mas como se constituíram, no século XVI, os privilégios <strong>da</strong><br />

reflexão crítica? Como é que a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se viu<br />

fi<strong>na</strong>lmente confisca<strong>da</strong> por elas, de tal maneira que no limiar <strong>da</strong> era<br />

<strong>clássica</strong> to<strong>da</strong>s as imagens trágicas evoca<strong>da</strong>s <strong>na</strong> época anterior se<br />

dissiparam <strong>na</strong> sombra? Como terminou esse movimento que fazia<br />

Artaud dizer:<br />

A Re<strong>na</strong>scença do século XVI rompeu com uma reali<strong>da</strong>de que tinha suas leis,<br />

sobre-huma<strong>na</strong>s talvez, mas <strong>na</strong>turais; e o Humanismo <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença não foi<br />

um engrandecimento, mas uma diminuição do homem? 83<br />

Resumamos o que há de indispensável nessa evolução a fim de<br />

compreender a experiência que o classicismo teve <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

1) A <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se uma forma relativa à razão ou, melhor,<br />

<strong>loucura</strong> e razão entram numa relação eter<strong>na</strong>mente reversível que faz<br />

com que to<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> tenha sua razão que a julga e controla, e to<strong>da</strong><br />

razão sua <strong>loucura</strong> <strong>na</strong> qual ela encontra sua ver<strong>da</strong>de irrisória. Ca<strong>da</strong><br />

uma é a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> outra, e nesse movimento de referência recíproca<br />

elas se recusam, mas uma fun<strong>da</strong>menta a outra.<br />

83 Vie et mort de Satan le Feu, Paris, 1949, p. 17.<br />

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