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A história da loucura na idade clássica

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tipo de <strong>loucura</strong>, não ser louco... ". E no entanto, essa implicação é de<br />

estilo bem diferente <strong>da</strong>quela que ameaçava a razão ocidental ao fi<strong>na</strong>l<br />

<strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média e ao longo <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença. Ela não mais desig<strong>na</strong><br />

essas regiões obscuras e i<strong>na</strong>cessíveis que se transcreviam para o<br />

imaginário <strong>na</strong> mistura fantástica dos mundos no ponto derradeiro do<br />

tempo; ela revela a irreparável fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações de<br />

dependência, a que<strong>da</strong> imediata <strong>da</strong> razão no possuir onde ela procura<br />

seu ser: a razão se alie<strong>na</strong> no próprio movimento em que toma posse<br />

do desatino.<br />

Nessas poucas pági<strong>na</strong>s de Diderot, as relações entre razão e<br />

desatino assumem um novo rosto. O destino <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> no mundo<br />

moderno está aí estranhamente prefigurado, e já quase iniciado. A<br />

partir <strong>da</strong>í, uma linha reta traça esse improvável caminho que vai logo<br />

até Antonin Artaud.<br />

À primeira vista, seria preferível situar o Neveu de Rameau no<br />

velho parentesco entre loucos e bufões, restituindo-lhe todos os<br />

poderes de ironia de que estavam investidos. Não representa ele, <strong>na</strong><br />

revelação <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, o papel de desatento operador, que durante<br />

tanto tempo havia sido o seu no teatro, e que o Classicismo havia<br />

esquecido, de maneira profun<strong>da</strong>? Não acontecia freqüentemente de<br />

cintilar a ver<strong>da</strong>de no sulco de sua impertinência? Esses loucos<br />

rompem essa fastidiosa uniformi<strong>da</strong>de que nossa educação, nossas convenções<br />

sociais, nossas conveniências de uso e de comportamento introduziram. Se<br />

numa companhia aparece um, é um grão de levedo que fermenta e devolve a<br />

ca<strong>da</strong> um de nós uma porção de sua individuali<strong>da</strong>de <strong>na</strong>tural. Ele sacode, agita,<br />

faz com que se aprove ou censure, faz aparecer a ver<strong>da</strong>de, tor<strong>na</strong> conheci<strong>da</strong>s<br />

as pessoas de bem, desmascara os patifes 760 .<br />

Mas se a <strong>loucura</strong> se encarrega assim de fazer a <strong>loucura</strong> an<strong>da</strong>r<br />

pelo mundo, não é mais porque sua cegueira se comunica com o<br />

essencial através de estranhos conhecimentos, mas ape<strong>na</strong>s pelo fato<br />

de ser cega; seu poder é feito ape<strong>na</strong>s de erro: "Se dizemos algo de<br />

bom é como nos loucos ou nos filósofos, ao acaso" 761 . O que sem<br />

dúvi<strong>da</strong> significa que o acaso é a única ligação necessária entre a<br />

ver<strong>da</strong>de e o erro, o único caminho <strong>da</strong> paradoxal certeza. E assim a<br />

<strong>loucura</strong>, como exaltação desse acaso — acaso nem procurado nem<br />

760 Ibidem, pp. 426-427.<br />

761 Ibidem, p. 431.<br />

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