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A história da loucura na idade clássica

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Quanto ao "espírito desorde<strong>na</strong>do", este participaria antes <strong>da</strong><br />

alie<strong>na</strong>ção e <strong>da</strong> imbecili<strong>da</strong>de, manifestando <strong>na</strong> suavi<strong>da</strong>de e <strong>na</strong><br />

incapaci<strong>da</strong>de a desordem de seus pensamentos; num dos livros de<br />

entra<strong>da</strong> de Bicêtre, falava-se de um mestre-escola que, "tendo-se<br />

casado com uma mulher de má vi<strong>da</strong>, caiu em tamanha miséria que<br />

seu espírito se desordenou inteiramente" 29 .<br />

Noções como estas podem parecer bem precárias quando<br />

confronta<strong>da</strong>s com as classificações teóricas. Mas sua consistência<br />

pode ser prova<strong>da</strong>, pelo menos de modo negativo, pelo fato de terem<br />

resistido durante tanto tempo à penetração <strong>da</strong> influência médica.<br />

Enquanto a percepção asilar se enriquece, a medici<strong>na</strong> permanece<br />

estranha a ela ou intervém ape<strong>na</strong>s de maneira incidental e quase<br />

margi<strong>na</strong>l. Mal se encontram algumas anotações médicas, que<br />

resultam ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> ordem do pitoresco, como esta por exemplo, a<br />

respeito de um insensato que se acreditava possuído pelos espíritos:<br />

A leitura dos livros que tratam <strong>da</strong> ciência cabalística deu início à sua<br />

enfermi<strong>da</strong>de, e a intempérie de sua constituição ardorosa e melancólica<br />

aumentou-a ain<strong>da</strong> mais.<br />

E pouco depois: "Sua <strong>loucura</strong> declara-se, ca<strong>da</strong> vez mais<br />

freqüentemente, acompanha<strong>da</strong> por uma melancolia negra e um furor<br />

perigoso" 30 . A classe médica não é uma classe no inter<strong>na</strong>mento: no<br />

máximo pode representar um papel descritivo, ou, mais raramente<br />

ain<strong>da</strong>, um papel de diagnóstico, mas sempre sob uma forma<br />

anedótica:<br />

Seus olhos perdidos e sua cabeça involuntariamente incli<strong>na</strong><strong>da</strong> sobre um dos<br />

ombros dão a perceber claramente que sua cura é bem incerta 31 .<br />

Portanto, pode-se reconstituir ape<strong>na</strong>s de modo muito parcial as<br />

informações que podemos colher, todo um labor obscuro que foi<br />

paralelo ao trabalho <strong>da</strong> classificação teórica mas que de modo algum<br />

lhe pertence. Esta simultanei<strong>da</strong>de prova a penetração <strong>da</strong> razão nesse<br />

domínio <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que ela no entanto havia conjurado com o<br />

inter<strong>na</strong>mento. Mas de um lado, com a medici<strong>na</strong>, temos o trabalho do<br />

conhecimento que trata as formas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> como outras tantas<br />

espécies <strong>na</strong>turais; do outro, um esforço de reconhecimento com o<br />

29 Clairambault, ms. 985. p. 129.<br />

30 Idem, pp. 377 e 406.<br />

31 Idem, p. 347. Deve-se observar que estas anotações são encontra<strong>da</strong>s ape<strong>na</strong>s ,<br />

em Charenton, casa manti<strong>da</strong> pela irman<strong>da</strong>de São João de Deus, i.e., por uma<br />

ordem hospitaleira que pretendia exercer a medici<strong>na</strong>.<br />

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