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A história da loucura na idade clássica

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ive gauche. Mirabeau relata em suas Observations d'un voyageur<br />

anglais que os loucos de Bicêtre eram mostrados "como animais<br />

curiosos ao primeiro campônio que aceitava pagar um liard". Vai -<br />

se ver o guardião mostrar os loucos como, <strong>na</strong> feira de Saint-<br />

Germain, o saltimbanco domador de macacos 25 . Alguns carcereiros<br />

tinham grande reputação pela habili<strong>da</strong>de com que faziam os loucos<br />

executar passos de <strong>da</strong>nça e acrobacias, ao preço de algumas<br />

chicota<strong>da</strong>s. A única atenuação que se encontrou ao fi<strong>na</strong>l do<br />

século XVIII foi a de atribuir aos insanos o cui<strong>da</strong>do de mostrar<br />

os loucos, como se coubesse à própria <strong>loucura</strong> prestar testemunho<br />

com relação àquilo que ela era.<br />

Não caluniemos a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>. O viajante inglês tem razão de encarar o<br />

ofício de mostrar os loucos como indigno <strong>da</strong> humani <strong>da</strong>de mais aguerri<strong>da</strong>. Já<br />

o tínhamos dito. Há remédio para tudo. Os próprios loucos é que são<br />

encarregados de, em seus intervalos lúcidos, mostrar seus companheiros<br />

que, por sua vez, lhes prestam o mesmo serviço. Assim, os guardiães<br />

desses infelizes gozam dos benefícios que esse espetáculo lhes fornece<br />

sem ter uma força de insensibili<strong>da</strong>de à qual, sem dúvi<strong>da</strong>, nunca poderiam<br />

ascender 26 .<br />

Eis a <strong>loucura</strong> erigi<strong>da</strong> em espetáculo acima do silêncio dos asilos<br />

e tor<strong>na</strong>ndo-se, para alegria geral, escân<strong>da</strong>lo público. O desatino se<br />

ocultava <strong>na</strong> discrição <strong>da</strong>s casas de inter<strong>na</strong>mento, mas a <strong>loucura</strong><br />

continua a estar presente no teatro do mundo. Com mais brilho<br />

que nunca . No Império, ir-se-á mesmo mais longe do que tinham<br />

ido a I<strong>da</strong>de Média e a Re<strong>na</strong>scença: a estranha confraria do Navio<br />

Azul oferecia outrora espetáculos nos quais se representava a<br />

<strong>loucura</strong> 27 ; agora é a própria <strong>loucura</strong>, a <strong>loucura</strong> em carne e osso,<br />

que representa. Coulmier, diretor de Charenton, havia organizado,<br />

nos primeiros anos do século XIX, esses famosos espetáculos em que<br />

os loucos representavam ora o papel de atores, ora o de espectadores<br />

observados.<br />

Os alie<strong>na</strong>dos que assistiam a essas representações teatrais eram objeto <strong>da</strong><br />

atenção e <strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong>de de um público leviano, inconseqüente e às vezes<br />

25 «Antigamente todo mundo era admitido a visitar Bicêtre, e quando havia bom<br />

tempo viam- se chegar pelo menos 2 000 pessoas por dia. Com o<br />

dinheiro <strong>na</strong> mão, era - se levado por um guia para a d ivisão dos<br />

insanos» (Mémoires de Père Richard, loc. cit., f. 61). Visitava- se um<br />

padre irlandês «que dormia <strong>na</strong> palha», um capitão de <strong>na</strong>vio que<br />

ficava furioso vendo homens, «pois tinha sido a injustiça dos<br />

homens que o havia tor<strong>na</strong>do louco», um jovem «que cantava de<br />

modo encantador, (Idem).<br />

26 MIRABEAU, Mémoires d'un voyageur anglais, 1788, p. 213, nota 1.<br />

27 Cf. supra, Cap. I.<br />

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