15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

por exemplo, não se trata de tratamentos físicos, uma vez que se<br />

pretende desoxi<strong>da</strong>r tanto a alma quanto o corpo; quando se<br />

prescreve a um melancólico a vi<strong>da</strong> simples dos trabalhadores, quando<br />

se lhe representa a comédia de seu delírio, não se tem aí uma<br />

intervenção psicológica, pois o movimento dos espíritos nos nervos e<br />

a densi<strong>da</strong>de dos humores é que estão em jogo, acima de tudo. Mas<br />

num caso trata-se de uma arte <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des, de<br />

uma técnica <strong>na</strong> qual a essência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é considera<strong>da</strong> como<br />

<strong>na</strong>tureza e como doença; no outro, trata-se de uma arte do discurso<br />

e <strong>da</strong> restituição <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de onde a <strong>loucura</strong> vale como desatino.<br />

Quando for dissocia<strong>da</strong>, nos anos que se seguirão, essa grande<br />

experiência do desatino, cuja uni<strong>da</strong>de é característica <strong>da</strong> era clásica,<br />

quando a <strong>loucura</strong>, confisca<strong>da</strong> inteiramente numa intuição moral, não<br />

for mais que doença, então a distinção que acabamos de estabelecer<br />

assumirá um outro sentido: o que era doença procederá do orgânico,<br />

e o que pertencia ao desatino, à transcendência de seu discurso, será<br />

nivelado no psicológico. E é exatamente aí que <strong>na</strong>sce a psicologia.<br />

Não como ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, mas como indício de que a <strong>loucura</strong> é<br />

agora isola<strong>da</strong> de sua ver<strong>da</strong>de que era o desatino e de que doravante<br />

ela não será mais que um fenômeno à deriva, insignificante, <strong>na</strong><br />

superfície indefini<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza. Enigma sem outra ver<strong>da</strong>de senão<br />

aquilo que a pode reduzir.<br />

É por isso que se deve ser justo com Freud. Entre as 5<br />

Psicanálises e o cui<strong>da</strong>doso inquérito sobre as Médications<br />

psychologiques, há mais do que uma descoberta: há a violência<br />

sobera<strong>na</strong> de um retorno Janet enumerava os elementos de uma<br />

divisão, enumerava o inventário, anexava aqui e ali, conquistava<br />

talvez. Freud retomava a <strong>loucura</strong> ao nível de sua linguagem,<br />

reconstituía um dos elementos essenciais de uma experiência<br />

reduzi<strong>da</strong> ao silêncio pelo positivismo. Ele não acrescentava à lista dos<br />

tratamentos psicológicos <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> uma adição maior; reconstituía,<br />

no pensamento médico, a possibili<strong>da</strong>de de um diálogo com o<br />

desatino. Não nos surpreen<strong>da</strong>mos se o mais "psicológico" dos<br />

medicamentos tenha tão rapi<strong>da</strong>mente reencontrado sua vertente e<br />

suas confirmações orgânicas. Na Psicanálise, o que está em jogo não<br />

é a Psicologia mas, exatamente, uma experiência do desatino que a<br />

Psicologia no mundo moderno teve por sentido ocultar.<br />

375

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!