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A história da loucura na idade clássica

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4. Experiências <strong>da</strong> Loucura<br />

A partir <strong>da</strong> criação do Hospital Geral, <strong>da</strong> abertura (<strong>na</strong> Alemanha e<br />

<strong>na</strong> Inglaterra) <strong>da</strong>s primeiras casas de correção e até o fim do século<br />

XVIII, a era <strong>clássica</strong> inter<strong>na</strong>. Inter<strong>na</strong> os devassos, os pais<br />

dissipadores, os filhos pródigos, os blasfemadores, os homens que<br />

"procuram se desfazer", os libertinos. E traça, através dessas<br />

aproximações e dessas estranhas cumplici<strong>da</strong>des, o perfil de sua<br />

experiência própria do desatino.<br />

Mas em ca<strong>da</strong> uma dessas ci<strong>da</strong>des se encontra, além do mais,<br />

to<strong>da</strong> uma população de loucos. A décima parte aproxima<strong>da</strong>mente <strong>da</strong>s<br />

prisões feitas em Paris, com destino ao Hospital Geral, diz respeito a<br />

"insanos", homens "em demência", pessoas "de espírito alie<strong>na</strong>do",<br />

"pessoas que se tor<strong>na</strong>ram inteiramente loucas" 1 . Entre estas e as<br />

outras, nenhum signo de diferença. Seguindo-se o fio dos registros,<br />

dir-se-ia que uma mesma sensibili<strong>da</strong>de os localiza, que um mesmo<br />

gesto os põe de lado. Deixemos aos cui<strong>da</strong>dos dos arqueólogos a tarefa<br />

de determi<strong>na</strong>r se era doente ou não, alie<strong>na</strong>do ou criminoso, este que<br />

entrou para o Hospital por "desarranjo nos costumes" ou aquele que<br />

"maltratou sua mulher" e quis "desfazer-se" por diversas vezes. A fim<br />

de colocar este problema, é preciso aceitar to<strong>da</strong>s as deformações que<br />

nossa observação retrospectiva impõe. Queremos crer que é por<br />

havermos conhecido mal a <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, permanecendo cegos<br />

a seus signos positivos, que lhe foram aplica<strong>da</strong>s as formas mais gerais<br />

e mais diversas de inter<strong>na</strong>mento. E com isso impedimo-nos de ver o<br />

que este "conhecimento errôneo" — ou pelo menos que assim se<br />

apresenta para nós — comporta, <strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de, de consciência<br />

explícita. Pois o problema real é exatamente o de determi<strong>na</strong>r o<br />

conteúdo desse juízo que, sem estabelecer nossas distinções, expatria<br />

do mesmo modo aqueles que teríamos tratado e aqueles que teríamos<br />

preferido conde<strong>na</strong>r. Não se trata de localizar o erro que autorizou<br />

semelhante confusão, mas de seguir a continui<strong>da</strong>de que nosso atual<br />

modo de julgar rompeu. É ao cabo de cento e cinqüenta anos de<br />

inter<strong>na</strong>mento que se acreditou perceber que entre esses rostos<br />

1 É a proporção que se constata, de modo bem regular, do fim do século XVII até<br />

meados do XVIII, segundo os quadros <strong>da</strong>s ordens do rei para o<br />

encarceramento no Hospital Geral.<br />

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