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A história da loucura na idade clássica

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"liberação" dos alie<strong>na</strong>dos. Trata-se de coisa bem diferente:<br />

Foi possível observar o grande <strong>da</strong>no experimentado pelos membros de nossa<br />

socie<strong>da</strong>de com o fato de haverem sido confiados a pessoas que não ape<strong>na</strong>s<br />

são estranhas a nossos princípios mas que, além do mais, os misturaram com<br />

outros doentes que se permitem uma linguagem grosseira e práticas<br />

censuráveis. Tudo isso muitas vezes deixa uma marca indelével nos espíritos<br />

dos doentes após terem recuperado o uso <strong>da</strong> razão, tor<strong>na</strong>ndo-os estranhos à<br />

manifestação religiosa que eles antes haviam conhecido; às vezes mesmo são<br />

corrompidos pelos hábitos viciosos que não conheciam 33 .<br />

O Retiro deverá agir como instrumento de segregação:<br />

segregação moral e religiosa, que procura reconstituir, ao redor <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>, um meio tão semelhante quanto possível à Comuni<strong>da</strong>de dos<br />

Quacres. E isto por duas razões: a primeira é que o espetáculo do<br />

mal é, para to<strong>da</strong> alma sensível, um sofrimento, a origem de to<strong>da</strong>s<br />

essas paixões nefastas e vivas que são o horror, a raiva, o desprezo,<br />

e que engendram ou perpetuam a <strong>loucura</strong>:<br />

Pensou-se com justa razão que a mistura que se produz nos grandes<br />

estabelecimentos públicos entre pessoas com sentimentos e práticas<br />

religiosas diferentes, a mistura entre devassos e virtuosos, profanos e<br />

pessoas sérias, tinha por efeito o entrave do progresso do retorno à razão,<br />

reforçando mais profun<strong>da</strong>mente a melancolia e as idéias misantrópicas 34 .<br />

Mas a razão principal não é essa: é que a religião pode<br />

representar esse duplo papel de <strong>na</strong>tureza e de regra, uma vez que<br />

ela assumiu, no hábito ancestral, <strong>na</strong> educação, no exercício cotidiano,<br />

a profundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, e uma vez que ela é ao mesmo tempo<br />

princípio constante de coerção. Ela é simultaneamente<br />

espontanei<strong>da</strong>de e coação, e com isso detém as únicas forças que<br />

podem, no eclipse <strong>da</strong> razão, contrabalançar as violências desmedi<strong>da</strong>s<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; seus preceitos,<br />

quando se foi fortemente impreg<strong>na</strong>do por eles no começo de nossas vi<strong>da</strong>s,<br />

tor<strong>na</strong>m-se quase princípios de nossa <strong>na</strong>tureza: e seu poder de coação é<br />

freqüentemente experimentado, mesmo durante a excitação delirante <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>. Encorajar a influência dos princípios religiosos sobre o espírito do<br />

insensato é de grande importância como meio de cura 35 .<br />

Na dialética <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção, em que a razão se oculta para não<br />

abolir-se, a religião constitui a forma concreta <strong>da</strong>quilo que não pode<br />

alie<strong>na</strong>r-se; ela veicula aquilo que há de invencível <strong>na</strong> razão, aquilo<br />

que subsiste como quase-<strong>na</strong>tureza sob a <strong>loucura</strong>, e à volta dela como<br />

33 SAMUEL TUKE, loc. cit., p. 50.<br />

34 S. TUKE, loc. cit., p. 23.<br />

35 Idem, p. 121.<br />

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