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A história da loucura na idade clássica

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cometido em detrimento do próximo e que deve ser punido com<br />

suplícios, e o vício, "desordem que diz respeito ape<strong>na</strong>s a nós<br />

mesmos", e que deve ser sancio<strong>na</strong>do pela vergonha 42 . Por ser mais<br />

interior, o vício é também mais primitivo: é o próprio crime, mas<br />

antes de sua realização; desde sua origem já está no coração dos<br />

homens. Antes de infringir as leis, o criminoso sempre atentou contra<br />

as regras silenciosas presentes <strong>na</strong> consciência dos homens:<br />

Os vícios são, com efeito, em relação aos costumes, aquilo que os crimes são<br />

em relação às leis, e o vício é sempre o pai do crime; é uma raça de monstros<br />

que, como nessa assustadora genealogia do pecado descrita por Milton,<br />

parecem reproduzir-se uns aos outros. Vejo um infeliz prestes a morrer... Por<br />

quê sobe ao ca<strong>da</strong>falso? Sigam a corrente de suas ações, verão que o primeiro<br />

elo foi quase sempre a violação <strong>da</strong> barreira sagra<strong>da</strong> dos costumes 43 .<br />

Se se pretende evitar os crimes, não será reforçando a lei ou<br />

agravando as pe<strong>na</strong>s que se conseguirá fazê-lo, mas sim tor<strong>na</strong>ndo os<br />

costumes mais imperiosos, mais temíveis suas regras, suscitando o<br />

escân<strong>da</strong>lo ca<strong>da</strong> vez que um vício se denuncia. Punição fictícia, ao que<br />

parece, e que o é efetivamente num estado tirânico, onde a vigilância<br />

<strong>da</strong>s consciências e o escân<strong>da</strong>lo só podem produzir a hipocrisia,<br />

porque a opinião pública não é mais sensível... porque, enfim, é preciso<br />

pronunciar a palavra enigma, a bon<strong>da</strong>de dos costumes não é parte essencial e<br />

integrante dos governos monárquicos como o é <strong>da</strong>s repúblicas 44 .<br />

Mas, quando os costumes constituem a própria substância do<br />

Estado, e a opinião o elo mais sólido <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, o escân<strong>da</strong>lo tor<strong>na</strong>se<br />

a forma mais temível <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção. Através dele, o homem tor<strong>na</strong>-<br />

se irreparavelmente estranho ao que existe de essencial <strong>na</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, e a punição, ao invés de manter o caráter particular de<br />

uma reparação, assume a forma do universal; ela está presente <strong>na</strong><br />

consciência de ca<strong>da</strong> um, é efetiva<strong>da</strong> pela vontade de todos.<br />

Legisladores que querem impedir o crime, este é o caminho que seguem<br />

todos os criminosos; assi<strong>na</strong>lem o primeiro marco que eles ultrapassarão, é o<br />

dos costumes; portanto, tornem-no intransponível, e não serão tão<br />

freqüentemente chamados a recorrer às pe<strong>na</strong>s 45 .<br />

O escân<strong>da</strong>lo tor<strong>na</strong>-se assim a punição duplamente ideal, como<br />

adequação imediata à falta, e como meio de impedi-la antes que<br />

assuma uma forma criminosa.<br />

42 BRISSOT DE WARVILLE, Théorie des bois criminelles, I, p. 101.<br />

43 Idem, pp. 49-50.<br />

44 Idem, p. 114.<br />

45 Idem, p. 50.<br />

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