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A história da loucura na idade clássica

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esplandeça a inocência, mas também para que apareça a<br />

duplici<strong>da</strong>de. Assim, nesse pavor que envolve Bicêtre ao longo de to<strong>da</strong><br />

a Revolução, e que dela fazem, nos limites de Paris, uma espécie de<br />

grande força temível e misteriosa, onde o Inimigo se mistura<br />

inextricavelmente ao desatino, a <strong>loucura</strong> representa alter<strong>na</strong><strong>da</strong>mente<br />

dois papéis alie<strong>na</strong>ntes: alie<strong>na</strong> aquele que é considerado louco sem ser<br />

louco, mas também pode alie<strong>na</strong>r aquele que acredita estar protegido<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; ela tiraniza ou enga<strong>na</strong> — elemento intermediário perigoso<br />

entre o homem razoável e o louco, que pode alie<strong>na</strong>r tanto um como o<br />

outro e que ameaça a ambos no exercício de suas liber<strong>da</strong>des. De<br />

qualquer. forma, ela deve ser desmascara<strong>da</strong>, de modo que a ver<strong>da</strong>de<br />

e a razão sejam devolvi<strong>da</strong>s à sua própria condição.<br />

Nessa situação um pouco confusa — malha cerra<strong>da</strong> de condições<br />

reais e de forças imaginárias — é difícil precisar o papel de Pinel. Ele<br />

assumiu suas funções a 25 de agosto de 1793. Pode-se supor, como<br />

sua reputação de médico já era grande, que ele tinha sido escolhido<br />

justamente para "desmascarar" a <strong>loucura</strong>, para avaliar suas<br />

dimensões médicas exatas, libertar as vítimas e denunciar os<br />

suspeitos, fun<strong>da</strong>r enfim, com todo rigor, esse inter<strong>na</strong>mento <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> cuja necessi<strong>da</strong>de é reconheci<strong>da</strong> mas cujos perigos são<br />

pressentidos. Por outro lado, os sentimentos de Pinel eram bastante<br />

republicanos para que dele não se pudesse temer que mantivesse<br />

presos os prisioneiros do antigo poder nem que favorecesse os<br />

perseguidos pelo novo. Num certo sentido, pode-se dizer que Pinel<br />

viu-se investido de um extraordinário poder moral. No desatino<br />

clássico, não havia incompatibili<strong>da</strong>de entre a <strong>loucura</strong> e a simulação,<br />

nem entre a <strong>loucura</strong> reconheci<strong>da</strong> do exterior e a <strong>loucura</strong><br />

objetivamente determi<strong>na</strong><strong>da</strong>; pelo contrário, <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> às suas<br />

formas ilusórias e à culpabilid<strong>da</strong>de que se oculta debaixo delas,<br />

havia, antes, uma espécie de elo essencial de pertinência. Pinel<br />

deverá desfazê-lo politicamente, operando uma divisão que não mais<br />

deixará aparecer <strong>na</strong><strong>da</strong> além de uma única uni<strong>da</strong>de rigorosa: a que<br />

envolve, para o conhecimento discursivo, a <strong>loucura</strong>, sua ver<strong>da</strong>de<br />

objetiva e sua inocência. Será necessário despojá-la de to<strong>da</strong>s essas<br />

franjas de não-ser em que se desenvolviam os jogos do desatino, e<br />

<strong>na</strong>s quais ele era aceito tanto como não-<strong>loucura</strong> persegui<strong>da</strong> quanto<br />

como não-<strong>loucura</strong> dissimula<strong>da</strong>, sem com isso deixar de ser <strong>loucura</strong>.<br />

Em tudo isso, qual é o sentido <strong>da</strong> libertação dos "acorrentados"?<br />

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