15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sustenta, explica e justifica a prática do inter<strong>na</strong>mento e o ciclo do<br />

conhecimento, é ela que constitui a experiência <strong>clássica</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. É<br />

ela que se pode desig<strong>na</strong>r através do termo desatino. Por baixo <strong>da</strong><br />

grande cisão <strong>da</strong> qual acabamos de falar, estende ela sua coerência<br />

secreta, pois é ao mesmo tempo a razão <strong>da</strong> cesura e a razão <strong>da</strong><br />

uni<strong>da</strong>de que se descobre de um lado e do outro <strong>da</strong> cesura. É ela que<br />

explica o fato de se encontrar as mesmas formas de experiência de<br />

um e outro lado, mas de nunca encontrá-las senão de um lado e do<br />

outro. O desatino <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong> é ao mesmo tempo a uni<strong>da</strong>de e a<br />

divisão dela mesma.<br />

Poderão perguntar-nos: por que se demorou tanto para isolá-la?<br />

Por que, enfim, havê-lo nomeado, a esse desatino, a respeito <strong>da</strong><br />

constituição de uma <strong>na</strong>tureza, isto é, em suma, a propósito <strong>da</strong><br />

ciência, <strong>da</strong> medici<strong>na</strong>, <strong>da</strong> "filosofia <strong>na</strong>tural"? E por que somente tratálo<br />

por alusão ou preterição enquanto se tratava <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica e<br />

social, <strong>da</strong>s formas <strong>da</strong> pobreza e do desemprego, <strong>da</strong>s instituições<br />

políticas e policiais? Não significa isso atribuir maior importância ao<br />

devir conceitual do que ao movimento real <strong>da</strong> <strong>história</strong>?<br />

A isto basta talvez responder que <strong>na</strong> reorganização do mundo<br />

burguês <strong>na</strong> época do mercantilismo, a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se<br />

apresenta somente de um modo enviesado, através de perfis<br />

longínquos e de uma maneira silenciosa; que teria sido<br />

demasia<strong>da</strong>mente ousado defini-la a partir de linhas tão parciais, no<br />

que lhe diz respeito, e tão bem integra<strong>da</strong>s, em compensação, em<br />

outras figuras mais visíveis e mais legíveis; que bastava, nesse<br />

primeiro nível <strong>da</strong> pesquisa, fazer sentir sua presença e prometer uma<br />

explicação para ela. Mas quando, para o filósofo ou para o médico, se<br />

coloca o problema <strong>da</strong>s relações entre a razão, a <strong>na</strong>tureza e a doença,<br />

então é em to<strong>da</strong> a espessura de seu volume que a <strong>loucura</strong> se<br />

apresenta; to<strong>da</strong> a massa <strong>da</strong>s experiências entre as quais ela se<br />

dispersa descobre seu ponto de coerência, e ela mesma ascende à<br />

possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem. Uma experiência singular aparece enfim.<br />

As linhas simples, um pouco heterogêneas, até então traça<strong>da</strong>s, vêm<br />

assumir seu lugar exato; ca<strong>da</strong> elemento pode gravitar conforme sua<br />

lei justa.<br />

Esta experiência não é nem teórica nem prática. Ela pertence ao<br />

domínio dessas experiências fun<strong>da</strong>mentais <strong>na</strong>s quais uma cultura<br />

arrisca os valores que lhe são próprios — isto é, compromete-os <strong>na</strong><br />

194

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!