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A história da loucura na idade clássica

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plenitude de satisfação, e do outro lado tor<strong>na</strong> irrisória a imagi<strong>na</strong>ção,<br />

pois traz espontaneamente a presença feliz <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de.<br />

Os prazeres entram <strong>na</strong> ordem eter<strong>na</strong> <strong>da</strong>s coisas, eles existem<br />

invariavelmente, e para formá-los são necessárias certas condições...;<br />

estas condições não são arbitrárias, a <strong>na</strong>tureza as estabeleceu; a<br />

imagi<strong>na</strong>ção não pode criar, e o homem mais apaixo<strong>na</strong>do pelos prazeres<br />

não poderia aumentar seus prazeres a não ser renunciando a todos os que<br />

não trazem a marca <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza 102 .<br />

O mundo imediato do trabalhador é portanto um mundo<br />

investido de sabedoria e de comedimento, que cura a <strong>loucura</strong> <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que tor<strong>na</strong> inútil o desejo e os movimentos <strong>da</strong> paixão por<br />

ele suscitados, e <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> também em que reduz, com o<br />

imaginário, to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des do delírio. O que Tissot entende<br />

por "prazer" é esse curador imediato, libertado ao mesmo tempo <strong>da</strong><br />

paixão e <strong>da</strong> linguagem, isto é, <strong>da</strong>s duas grandes formas <strong>da</strong><br />

experiência huma<strong>na</strong> <strong>da</strong>s quais <strong>na</strong>sce o desatino.<br />

E talvez a <strong>na</strong>tureza, como forma concreta do imediato, tenha um<br />

poder mais fun<strong>da</strong>mental <strong>na</strong> supressão <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Pois ela tem o<br />

poder de libertar o homem de sua liber<strong>da</strong>de. Na <strong>na</strong>tureza — pelo<br />

menos a que é medi<strong>da</strong> pela dupla exclusão <strong>da</strong> violência do desejo e<br />

<strong>da</strong> irreali<strong>da</strong>de do fantasma — o homem é sem dúvi<strong>da</strong> libertado <strong>da</strong>s<br />

coações sociais (as que forçam "a calcular e a fazer o balanço de seus<br />

prazeres imaginários que carregam esse nome sem o ser") e do<br />

movimento incontrolável <strong>da</strong>s paixões. Mas por isso mesmo, ele é<br />

tomado suavemente e como que do interior de sua vi<strong>da</strong> pelo sistema<br />

<strong>da</strong>s obrigações <strong>na</strong>turais. A pressão <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des mais sadias, o<br />

ritmo dos dias .e <strong>da</strong>s estações, a necessi<strong>da</strong>de sem violência de<br />

alimentar-se e abrigar-se, obrigam a desordem dos loucos a uma<br />

observação regular. O que a imagi<strong>na</strong>ção inventa de muito distante é<br />

dispensado, com aquilo que o desejo oculta de muito urgente. Na<br />

suavi<strong>da</strong>de de um prazer que não constrange, o homem se vê ligado à<br />

sabedoria <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, e essa fideli<strong>da</strong>de em forma de liber<strong>da</strong>de<br />

dissipa o desatino que justapõe em seu paradoxo o extremo<br />

determinismo <strong>da</strong> paixão e a extrema fantasia <strong>da</strong> imagem. Assim,<br />

sonha-se, nessas paisagens, onde o ético e a medici<strong>na</strong> se misturam,<br />

com uma libertação <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: libertação que não se deve entender<br />

em sua origem como a descoberta, pela filantropia, <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de<br />

dos loucos, mas como um desejo de abrir a <strong>loucura</strong> às suaves<br />

102 TISSOT, Traité sur les maladies des gens de lettres, pp. 90-94.<br />

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