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A história da loucura na idade clássica

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está tão distante <strong>da</strong>quilo que constitui o centro do desatino, e tão mal<br />

integra<strong>da</strong> em suas estruturas, que acabará por colocá-lo em questão,<br />

pondo-o de lado inteiramente ao fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de <strong>clássica</strong>.<br />

I. O GRUPO DA DEMÊNCIA<br />

Sob nomes diversos, mas que abrangem quase todos o mesmo<br />

domínio — dementia, amentia, fatuitas, stupiditas, morosis —, a<br />

demência é reconheci<strong>da</strong> pela maioria dos médicos dos séculos XVII e<br />

XVIII. Reconheci<strong>da</strong> e facilmente isola<strong>da</strong> entre as outras espécies<br />

mórbi<strong>da</strong>s, mas não defini<strong>da</strong> em seu conteúdo positivo e concreto. Ao<br />

longo desses dois séculos ela persiste no elemento do negativo,<br />

sempre impedi<strong>da</strong> de adquirir uma figura característica. Num certo<br />

sentido, a demência é, dentre to<strong>da</strong>s as doenças do espírito, a que<br />

permanece mais próxima <strong>da</strong> essência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Mas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> em<br />

geral, <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> experimenta<strong>da</strong> em tudo aquilo que pode ter de<br />

negativo: desordem, decomposição do pensamento, erro, ilusão, nãorazão<br />

e não-ver<strong>da</strong>de. É esta <strong>loucura</strong>, como simples avesso <strong>da</strong> razão e<br />

contingência pura do espírito, que um autor do século XVIII define<br />

bastante bem numa extensão que nenhuma forma positiva consegue<br />

esgotar ou limitar:<br />

A <strong>loucura</strong> tem sintomas variados ao infinito. Em sua composição entra<br />

tudo o que foi visto e ouvido, tudo o que foi pensado e meditado. Ela<br />

aproxima aquilo que parece mais afastado. Lembra aquilo que parece ter<br />

sido completamente esquecido. As antigas imagens revivem; as aversões<br />

que se acreditavam extintas re<strong>na</strong>scem; as incli<strong>na</strong>ções tor<strong>na</strong>m-se mais<br />

acentua<strong>da</strong>s; mas tudo, então, fica desorganizado. As idéias, em sua<br />

confusão, parecem-se com os caracteres de uma tipografia reunidos sem<br />

propósito estabelecido e sem inteligência. O que resultaria <strong>da</strong>í não teria<br />

um sentido coerentes. 1<br />

É <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> assim concebi<strong>da</strong> em to<strong>da</strong> negativi<strong>da</strong>de de sua<br />

desordem que se aproxima a demência.<br />

Assim, a demência é, no espírito, ao mesmo tempo o extremo<br />

acaso e o inteiro determinismo; todos os efeitos podem se produzir<br />

aí, pois to<strong>da</strong>s as causas podem provocá-la. Não existe perturbação<br />

nos órgãos do pensamento que não possa suscitar um dos aspectos<br />

<strong>da</strong> dem ência. Ela não tem sintomas propriamente ditos, é antes a<br />

possibili<strong>da</strong>de aberta de todos os sintomas possíveis <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. É<br />

ver<strong>da</strong>de que Willis atribuiu-lhe como signo e característica essenciais<br />

1 Examen de Ia prétendue possession der filies de la paroisse de Landes, 1735, p.<br />

14.<br />

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