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A história da loucura na idade clássica

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mecânicas. A melancolia é uma "<strong>loucura</strong> sem febre nem furor,<br />

acompanha<strong>da</strong> pelo temor e pela tristeza". Na medi<strong>da</strong> em que é delírio<br />

— isto é, ruptura essencial com a ver<strong>da</strong>de —, sua origem reside num<br />

movimento desorde<strong>na</strong>do dos espíritos e num estado defeituoso do<br />

cérebro; mas esse temor e essa inquietação que tor<strong>na</strong>m os<br />

melancólicos "tristes e meticulosos" podem ser explicados ape<strong>na</strong>s<br />

pelos movimentos? Pode existir uma mecânica do temor e uma<br />

circulação dos espíritos que sejam próprias <strong>da</strong> tristeza? Isso é uma<br />

evidência para Descartes, mas já não o é para Willis. A melancolia<br />

não pode ser trata<strong>da</strong> como uma paralisia, uma apoplexia, uma<br />

vertigem ou uma convulsão. No fundo, não é possível nem mesmo<br />

a<strong>na</strong>lisá-la como uma simples demência, embora o delírio melancólico<br />

pressuponha uma mesma desordem no movimento dos espíritos; as<br />

perturbações <strong>da</strong> mecânica explicam bem o delírio — este erro comum<br />

a to<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, demência ou melancolia —, mas não a quali<strong>da</strong>de<br />

própria do delírio, a cor <strong>da</strong> tristeza e do temor que lhe tor<strong>na</strong>m<br />

singular a paisagem. É necessário penetrar no segredo <strong>da</strong>s<br />

diáteses 33 . Enquanto isso, são essas quali<strong>da</strong>des essenciais, ocultas no<br />

próprio grão <strong>da</strong> matéria sutil, que explicam os movimentos<br />

paradoxais dos espíritos.<br />

32.<br />

33.<br />

Na melancolia, os espíritos são arrastados por uma agitação,<br />

porém uma agitação débil, sem poderes nem violência: espécie de<br />

empurrão impotente que não segue os caminhos traçados nem as<br />

vias abertas (aperta opercula) mas atravessa a matéria cerebral<br />

criando poros novos, incessantemente; no entanto, os espíritos não<br />

se perdem muito nos caminhos que traçam; sua agitação logo<br />

esmorece, sua força se esgota e o movimento se detém: non longe<br />

perveniunt 34 . Desse modo, uma perturbação semelhante, comum a<br />

todos os delírios, não pode produzir <strong>na</strong> superfície do corpo nem esses<br />

movimentos violentos, nem esses gritos observados <strong>na</strong> mania e no<br />

frenesi; a melancolia jamais chega ao furor; <strong>loucura</strong>, nos limites de<br />

sua impotência. Esse paradoxo é resultado <strong>da</strong>s alterações secretas<br />

dos espíritos. Normalmente elas têm a rapidez quase imediata e a<br />

transparência absoluta dos raios luminosos, mas <strong>na</strong> melancolia<br />

carregam-se de sombras; tor<strong>na</strong>m-se "obscuros, opacos, tenebrosos".<br />

33 WILLIS, Opera, II, pp. 238-239.<br />

34 Idem, ibid., II, p. 242.<br />

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