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A história da loucura na idade clássica

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inocentam-no.<br />

Em suma, ou se pretende que o sujeito seja culpado: é preciso<br />

que seja o mesmo em seu gesto e fora dele, de modo que dele para<br />

seu crime circulem as determi<strong>na</strong>ções; mas com isso se supõe que ele<br />

não era livre e que, portanto, ele era outro que não ele mesmo; ou<br />

então pretende-se que seja inocente: é preciso que o crime seja um<br />

elemento outro e irredutível ao sujeito; supõe-se assim uma<br />

alie<strong>na</strong>ção originária que constitui uma determi<strong>na</strong>ção suficiente,<br />

portanto uma continui<strong>da</strong>de, portanto uma identi<strong>da</strong>de do sujeito<br />

consigo mesmo 25 .<br />

Assim, o louco surge agora numa dialética, sempre recomeça<strong>da</strong>,<br />

entre o Mesmo e o Outro. Enquanto outrora, <strong>na</strong> experiência <strong>clássica</strong>,<br />

ele era logo desig<strong>na</strong>do, sem outro discurso, por sua presença ape<strong>na</strong>s<br />

<strong>na</strong> partilha visível — luminosa e notur<strong>na</strong> — entre o ser e o não-ser,<br />

ei-lo agora portador de uma linguagem e envolvido numa linguagem<br />

nunca esgota<strong>da</strong>, sempre retoma<strong>da</strong>, e remetido a si mesmo pelo jogo<br />

de seus contrários, uma linguagem onde o homem aparece <strong>na</strong><br />

<strong>loucura</strong> como sendo outro que não ele próprio. Mas nessa alteri<strong>da</strong>de<br />

ele revela a ver<strong>da</strong>de de que ele é ele mesmo, e isto indefini<strong>da</strong>mente,<br />

no movimento tagarela <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção. O louco não é mais o insensato<br />

no espaço dividido do desatino clássico; ele é o alie<strong>na</strong>do <strong>na</strong> forma<br />

moder<strong>na</strong> <strong>da</strong> doença. Nessa <strong>loucura</strong>, o homem não é mais considerado<br />

numa espécie de recuo absoluto em relação à ver<strong>da</strong>de; ele é, aí, sua<br />

ver<strong>da</strong>de e o contrário de sua ver<strong>da</strong>de; é ele mesmo e outra coisa que<br />

não ele mesmo; é considerado <strong>na</strong> objetivi<strong>da</strong>de do ver<strong>da</strong>deiro, mas é<br />

ver<strong>da</strong>deira subjetivi<strong>da</strong>de; está mergulhado <strong>na</strong>quilo que é sua<br />

perdição, mas só entrega aquilo que quiser entregar; é inocente<br />

porque não é aquilo que é, e culpado por ser aquilo que não é.<br />

A grande divisão crítica do desatino é agora substituí<strong>da</strong> pela<br />

proximi<strong>da</strong>de, sempre perdi<strong>da</strong> e sempre reencontra<strong>da</strong>, entre o homem<br />

e sua ver<strong>da</strong>de.<br />

Paralisia geral, <strong>loucura</strong> moral e monomania, sem dúvi<strong>da</strong>, não<br />

25 Dupin, que havia compreendido a urgência e o perigo do problema, dizia <strong>da</strong><br />

monomania que ela poderia ser «muito cômo<strong>da</strong> para subtrair os culpados à<br />

severi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s leis, ou para privar os ci<strong>da</strong>dãos de sua liber<strong>da</strong>de. Quando não<br />

se puder dizer: ele é culpado, se dirá: ele é louco. E veremos Charenton<br />

substituir a Bastilha». Cit. in SÉMELAIGNE, Aliénistes et philanthropes,<br />

Apêndice, p. 455.<br />

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