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A história da loucura na idade clássica

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incli<strong>na</strong>dos à <strong>loucura</strong>:<br />

A ordem dos lavradores é bem superior, sob esse aspecto, à parte do povo<br />

que fornece os artesãos; mas, infelizmente, bem inferior ao que era<br />

antigamente, nos tempos em que era ape<strong>na</strong>s lavrador, e são ain<strong>da</strong> algumas<br />

aldeias de selvagens que ignoram quase todos os males, só morrendo de<br />

acidentes e decrepitude.<br />

No começo do século XIX será ain<strong>da</strong> cita<strong>da</strong> a afirmação do<br />

americano Rush, que não conseguiu "encontrar entre os índios um<br />

único exemplo de demência, entre eles encontrando ape<strong>na</strong>s uns<br />

poucos maníacos e melancólicos" 47 , ou a de Humboldt, que nunca<br />

ouviu falar "de um único alie<strong>na</strong>do entre os índios selvagens <strong>da</strong><br />

América meridio<strong>na</strong>l" 48 .<br />

A <strong>loucura</strong> se tornou possível em virtude de tudo aquilo que o<br />

meio pôde reprimir, no homem, que dependia <strong>da</strong> existência animal 49 .<br />

A partir de então, a <strong>loucura</strong> se vê liga<strong>da</strong> a uma certa forma de<br />

devir do homem. Enquanto era senti<strong>da</strong> como ameaça cósmica ou<br />

iminência animal, ela dormitava ao redor do homem ou <strong>na</strong> noite de<br />

seu coração, dota<strong>da</strong> de uma eter<strong>na</strong> e imóvel presença; seus ciclos<br />

eram ape<strong>na</strong>s um retorno, e suas manifestações súbitas simples<br />

reaparecimentos. Agora, a <strong>loucura</strong> tem um ponto de parti<strong>da</strong> temporal<br />

— ain<strong>da</strong> que só se deva entendê-lo num sentido mítico: ela segue um<br />

vetor linear, qúe indica um crescimento indefinido. A medi<strong>da</strong> que o<br />

meio constituído ao redor do homem e pelo homem se tor<strong>na</strong> mais<br />

espesso e opaco, os riscos <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> aumentam. O tempo conforme<br />

o qual eles se dividem se tor<strong>na</strong> um tempo aberto, um tempo de<br />

multiplicação e de crescimento. A <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se assim o outro lado<br />

do progresso: multiplicando as mediações, a civilização oferece<br />

incessantemente ao homem novas possibili<strong>da</strong>des de alie<strong>na</strong>r-se.<br />

Matthey não faz mais que resumir o sentimento geral dos homens do<br />

47 RUSH, Medical lnquiries, I, p. 19.<br />

48 Cit. in SPURZHEIM, Observations sur la folie, p. 183.<br />

49 Num texto de Raulin há uma curiosa análise do aparecimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> com a<br />

passagem do consumo animal para um meio alimentar humano: «Os homens<br />

afastaram-se desta vi<strong>da</strong> simples á medi<strong>da</strong> que deram ouvidos a suas paixões;<br />

sem perceber, fizeram descobertas perniciosas de alimentos adequados para<br />

a adulação do pala<strong>da</strong>r; adotaram-nos; as fatais descobertas aos poucos se<br />

multi- plicaram; seu uso aumentou as paixões, as paixões exigiram excessos,<br />

umas e outros Introduz i ram o luxo, e a descoberta <strong>da</strong>s Grandes índias<br />

forneceram os meios propríospara alimentar esse luxo e levá-lo ao ponto em<br />

que se encontra neste século. A mistura primeira <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>s doenças é quase a<br />

mesma que a <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> .e pratos e dos excessos que com eles se<br />

cometeram» (loc. cit., pp. 60-61).<br />

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