15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

seus direitos. Tudo está em seu lugar, de um século a outro: primeiro<br />

o inter<strong>na</strong>mento, do qual procedem os primeiros asilos de loucos; <strong>da</strong>í<br />

<strong>na</strong>sce essa curiosi<strong>da</strong>de -logo transforma<strong>da</strong> em pie<strong>da</strong>de, depois em<br />

humanitarismo e solicitude social — que permitirá a existência de<br />

Pinel e Tuke, os quais por sua vez provocarão o grande movimento<br />

de reforma — inquéritos dos comissários, constituição dos grandes<br />

hospitais, os quais fi<strong>na</strong>lmente dão início à época de Esquirol e à<br />

felici<strong>da</strong>de de uma ciência médica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. A linha é reta, o<br />

progresso é cômodo. O Charenton <strong>da</strong> irman<strong>da</strong>de de São João de Deus<br />

permite prever o Charenton de Esquirol, e a Salpêtrière, sem dúvi<strong>da</strong>,<br />

tinha ape<strong>na</strong>s um destino, o que Charcot lhe atribuiu.<br />

Mas basta um pouco de atenção para que esse fio se rompa. E<br />

em mais de um lugar. Estamos seguros de qual seja o significado<br />

desse movimento que, bem cedo, desde a própria origem, tende a<br />

isolar os loucos? Sem dúvi<strong>da</strong>, no silêncio e <strong>na</strong> imobili<strong>da</strong>de do<br />

inter<strong>na</strong>mento esse esboço de movimento, essa percepção inicial já<br />

não é o indício de que "nos aproximamos"? Não ape<strong>na</strong>s de que nos<br />

aproximamos de um saber mais positivo, mas de que <strong>na</strong>sce uma<br />

sensibili<strong>da</strong>de mais inquieta e mais próxima mesmo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, como<br />

uma fideli<strong>da</strong>de nova a seus contornos? Deixa-se falar o que há de<br />

alie<strong>na</strong>do no homem, põe-se a <strong>da</strong>r ouvidos a tantos balbucios; ouve-<br />

se crescer nessa desordem aquilo que será a prefiguração de uma<br />

ordem; a indiferença abre-se para a diferença: não é justamente a<br />

<strong>loucura</strong> que está entrando para a familiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem, já<br />

quase se oferecendo num sistema de troca? Não é o homem que, por<br />

um movimento que não tar<strong>da</strong>rá a comprometer to<strong>da</strong> a estrutura <strong>da</strong><br />

alie<strong>na</strong>ção, já começa a se reconhecer nela? Esse é um fato que<br />

simplificaria a <strong>história</strong> e que agra<strong>da</strong>ria à nossa sensibili<strong>da</strong>de. Mas o<br />

que queremos saber não é o valor que para nós assumiu a <strong>loucura</strong>, é<br />

o movimento pelo qual ela tomou assento <strong>na</strong> percepção do século<br />

XVIII: a série <strong>da</strong>s rupturas, <strong>da</strong>s descontinui<strong>da</strong>des, <strong>da</strong>s fragmentações<br />

pelas quais ela se tornou aquilo que é para nós no esquecimento<br />

opaco <strong>da</strong>quilo que ela foi. Observando as coisas com um pouco de<br />

atenção, a evidência aí está: se o século XVIII aos poucos abriu lugar<br />

para a <strong>loucura</strong>, se distinguiu certas figuras dela, não foi<br />

aproximando-se dela que o fez mas, pelo contrário, afastando-se<br />

dela: foi necessário instaurar uma nova dimensão, delimitar um novo<br />

espaço e como que uma outra solidão para que, em meio desse<br />

segundo silêncio, a <strong>loucura</strong> pudesse enfim falar. Se ela encontra seu<br />

432

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!