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A história da loucura na idade clássica

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Interrogação central, mas à qual a era <strong>clássica</strong> não formulou<br />

uma resposta direta. Ë de través que se deve afrontá-la,<br />

interrogando-se as experiências que se encontram <strong>na</strong> vizinhança<br />

imediata dessa linguagem essencial <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, isto é, o sonho e o<br />

erro.<br />

O caráter quase onírico <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é um dos temas constantes<br />

<strong>na</strong> i<strong>da</strong>de <strong>clássica</strong>. Tema que her<strong>da</strong> sem dúvi<strong>da</strong> uma tradição bastante<br />

arcaica, <strong>da</strong> qual Du Laurens, ao fi<strong>na</strong>l do século XVI, é ain<strong>da</strong> um<br />

testemunho; para ele, melancolia e sonho teriam a mesma origem, e<br />

com relação à ver<strong>da</strong>de teriam o mesmo valor. Há "sonhos <strong>na</strong>turais"<br />

que representam aquilo que, durante a vigília, passou pelos sentidos<br />

ou pelo entendimento mas que é alterado pelo temperamento próprio<br />

do sujeito; do mesmo modo, existe uma melancolia que tem origem<br />

ape<strong>na</strong>s física <strong>na</strong> compleição do doente, e que modifica, para seu<br />

espírito, a importância, o valor e como que o matiz dos eventos reais.<br />

Mas existe também uma melancolia que permite predizer o futuro,<br />

falar numa língua desconheci<strong>da</strong>, ver seres normalmente invisíveis;<br />

esta melancolia tem sua origem numa intervenção sobre<strong>na</strong>tural, a<br />

mesma que faz vir ao espírito de quem dorme os sonhos que<br />

antecipam o futuro, anunciam os eventos e fazem ver "coisas<br />

estranhas" 62 .<br />

Mas, de fato, o século XVII ape<strong>na</strong>s mantém essa tradição de<br />

semelhança entre sonho e <strong>loucura</strong> para melhor rompê-la e fazer com<br />

que surjam novas relações, mais essenciais. Relações onde sonho e<br />

<strong>loucura</strong> não são entendidos ape<strong>na</strong>s em sua origem distante ou no<br />

valor imanente de signos, porém confrontados em seus fenômenos,<br />

em seu desenvolvimento, em sua própria <strong>na</strong>tureza.<br />

Sonho e <strong>loucura</strong> surgem então como pertencendo à mesma<br />

substância. O mecanismo de ambos é um só, e Zacchias pode<br />

identificar <strong>na</strong> marcha do sono os movimentos que fazem surgir os<br />

sonhos, mas que poderiam também, <strong>na</strong> vigília, suscitar as <strong>loucura</strong>s.<br />

Nos primeiros momentos em que adormecemos, os vapores que<br />

então se elevam pelo corpo e sobem até a cabeça são múltiplos,<br />

turbulentos e espessos. São obscuros, a ponto de não provocarem,<br />

62 DU LAURENS, Discours de la conservation de la vue, des maladies<br />

mélancoliques, des catarrhes, de la vieillesse, Paris, 1597, in Oeuvres, Rouen,<br />

1660, p. 29.<br />

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