15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ser inter<strong>na</strong>do em Saint-Lazare gomo demente:<br />

É preciso honrar a Nosso Senhor no estado em que ele se viu, quando<br />

quiseram prendê-lo, dizendo quoniam in frenesim versus est, a fim de<br />

santificar esse estado <strong>na</strong>queles que Sua divi<strong>na</strong> providência nele colocar 46 .<br />

A <strong>loucura</strong> é o ponto mais baixo <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de ao qual Deus<br />

consentiu em sua encar<strong>na</strong>ção, querendo mostrar com isso que <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

existe de inumano no homem que não possa ser resgatado e salvo; o<br />

ponto último <strong>da</strong> que<strong>da</strong> foi glorificado pela presença divi<strong>na</strong>, e é esta<br />

lição que a <strong>loucura</strong> ain<strong>da</strong> fornece para o século XVII.<br />

Compreende-se por que o escân<strong>da</strong>lo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> pode ser exaltado,<br />

quando o <strong>da</strong>s outras formas do desatino é ocultado com tanto<br />

cui<strong>da</strong>do. Este comporta ape<strong>na</strong>s o exemplo contagioso <strong>da</strong> falta e <strong>da</strong><br />

imorali<strong>da</strong>de; aquele indica aos homens até que ponto bem próximo <strong>da</strong><br />

animali<strong>da</strong>de sua que<strong>da</strong> pôde arrastá-los, e ao mesmo tempo até onde<br />

pôde vergar-se a complacência divi<strong>na</strong> quando consentiu em salvar o<br />

homem. Para o cristianismo <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença, todo o valor de ensino<br />

do desatino e de seus escân<strong>da</strong>los estava <strong>na</strong> <strong>loucura</strong> <strong>da</strong> Encar<strong>na</strong>ção de<br />

um Deus feito homem; para o Classicismo, a encar<strong>na</strong>ção não é mais<br />

<strong>loucura</strong>; o que é <strong>loucura</strong> é essa encar<strong>na</strong>ção do homem no animal que<br />

é, enquanto degrau último <strong>da</strong> que<strong>da</strong>, o signo mais manifesto de sua<br />

culpa, e, enquanto objeto último <strong>da</strong> complacência divi<strong>na</strong>, o símbolo do<br />

perdão universal e <strong>da</strong> inocência reencontra<strong>da</strong>. Doravante, to<strong>da</strong>s as<br />

lições <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e a força de seus ensi<strong>na</strong>mentos deverão ser<br />

procurados nessa região obscura, n os confins inferiores <strong>da</strong><br />

humani<strong>da</strong>de, lá onde o homem se articula com a <strong>na</strong>tureza e onde<br />

ele é ao mesmo tempo degra<strong>da</strong>ção última e absoluta inocência. A<br />

solicitude <strong>da</strong> Igreja com os insanos, durante o período clássico, tal<br />

como a simbolizam São Vicente de Paula e sua Congregação, ou os<br />

Irmãos <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>s essas ordens religiosas debruça<strong>da</strong>s<br />

sobre a <strong>loucura</strong> e exibindo -a ao mundo, não indicam que a Igreja<br />

encontrava nela um ensi<strong>na</strong> mento difícil porém essencial, a culposa<br />

inocência do animal no homem? É esta lição que devia ser li<strong>da</strong> e<br />

compreendi<strong>da</strong> nesses espetáculos em que se exaltava no louco a<br />

raiva <strong>da</strong> besta huma<strong>na</strong>. Paradoxalmente, essa consciência cristã<br />

<strong>da</strong> animali<strong>da</strong>de prepara o momento em que a <strong>loucura</strong> será<br />

trata<strong>da</strong> como um fato <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza; logo se esquecerá aquilo que<br />

essa "<strong>na</strong>tureza" significava para o pensamento clássico: não o<br />

46 Correspondente de Saint Vincent de Paul, ed. Coste, V, p. 146.<br />

176

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!