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A história da loucura na idade clássica

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Mas este caminho, mesmo quando não leva a nenhuma<br />

sabedoria fi<strong>na</strong>l, mesmo quando a ci<strong>da</strong>dela que ele promete não passa<br />

de miragem e <strong>loucura</strong> renova<strong>da</strong>s, esse caminho é em si mesmo o<br />

caminho <strong>da</strong> sabedoria, se for seguido sabendo-se que se trata<br />

justamente do caminho <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. O espetáculo inútil, os ruídos<br />

frívolos, essa algazarra de sons e cores que faz com que o mundo<br />

seja sempre ape<strong>na</strong>s o mundo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, é preciso aceitá-la, acolhê-<br />

la em si mesmo, porém <strong>na</strong> clara consciência de sua fatui<strong>da</strong>de, dessa<br />

fatui<strong>da</strong>de que é tanto a do espectador quanto a do espetáculo. É<br />

preciso ouvir esse barulho tão seriamente quanto se ouve a ver<strong>da</strong>de,<br />

mas com essa atenção ligeira, mistura de ironia e complacência, de<br />

facili<strong>da</strong>de e de secreto saber que não se deixa enga<strong>na</strong>r, com a qual<br />

se ouvem normalmente os espetáculos <strong>da</strong> feira: não com ouvidos<br />

que servem para ouvir as prédicas sacras mas aqueles que se prestam, <strong>na</strong><br />

feira, aos charlatães, aos palhaços e aos bufões, ou mesmo as orelhas de<br />

asno que nosso rei Mi<strong>da</strong>s exibiu diante do Deus Pan. 94<br />

Aí, nesse imediato colorido e barulhento, nessa aceitação<br />

cômo<strong>da</strong> que é uma imperceptível recusa, se desenvolve — de modo<br />

mais seguro do que <strong>na</strong>s longas procuras <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de oculta — a<br />

própria essência <strong>da</strong> sabedoria. Sub-repticiamente, pela própria<br />

acolhi<strong>da</strong> que ela lhe faz, a razão assume a <strong>loucura</strong>, delimita a, toma<br />

consciência dela e pode situá-la.<br />

Onde, pois, situá-la senão <strong>na</strong> própria razão, como uma de suas<br />

formas e talvez um de seus recursos? Sem dúvi<strong>da</strong>, entre formas de<br />

razão e formas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, grandes são as semelhanças. E<br />

inquietantes: como distinguir, numa ação prudente, se ela foi<br />

cometi<strong>da</strong> por um louco, e como distinguir, <strong>na</strong> mais insensata <strong>da</strong>s<br />

<strong>loucura</strong>s, se ela pertence a um homem normalmente prudente e<br />

comedido?<br />

A sabedoria e a <strong>loucura</strong> [diz Charron] estão muito próximas. Há ape<strong>na</strong>s uma<br />

meia-volta entre uma e outra. Isso se vê <strong>na</strong>s ações dos homens insanos 95 .<br />

Mas esta semelhança, ain<strong>da</strong> que deva confundir as pessoas<br />

razoáveis, serve à própria razão. E arrastando em seu movimento as<br />

maiores violências <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, a razão chega, através dele, a seus<br />

fins últimos. Visitando Tasso em seu delírio, Montaigne sente mais<br />

desilusão que pie<strong>da</strong>de; porém, no fundo, e mais que tudo,<br />

admiração. Desilusão, sem dúvi<strong>da</strong>, por ver que a razão, no ponto<br />

mesmo em que atinge o máximo de suas possibili<strong>da</strong>des, está<br />

94 ERASMO, loc. cít., § 2, p. 9.<br />

95 CHARRON, De la sagesse, Livro I, Cap. XV, ed. Amaurv Duval, 1827. p. 130.<br />

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