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A história da loucura na idade clássica

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homem, é ruptura com o imediato. Não pertence mais à ordem <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza ou <strong>da</strong> que<strong>da</strong>, mas a uma nova ordem em que se começa a<br />

pressentir a <strong>história</strong> e <strong>na</strong> qual se formam, num obscuro parentesco<br />

originário, "a alie<strong>na</strong>ção" dos médicos e a "alie<strong>na</strong>ção" dos filósofos —<br />

duas figuras <strong>na</strong>s quais de todo modo o homem altera sua ver<strong>da</strong>de,<br />

mas entre as quais o século XIX, após Hegel, logo perde todo vestígio<br />

de semelhança.<br />

Esta nova maneira de apreender a <strong>loucura</strong> através <strong>da</strong> ação tão<br />

determi<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong>s "forças penetrantes" foi sem dúvi<strong>da</strong> decisiva — tão<br />

decisiva <strong>na</strong> <strong>história</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> moder<strong>na</strong> quanto a espetacular<br />

libertação dos acorrentados de Bicêtre por Pinel.<br />

O estranho, e ao mesmo tempo o importante, é de início o valor<br />

negativo desse conceito, nesse estádio ain<strong>da</strong> arcaico de sua<br />

elaboração. Nas análises que acabamos de lembrar, essas forças não<br />

desig<strong>na</strong>m aquilo <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza que pode constituir o ambiente de um<br />

ser vivo; não é tampouco o lugar <strong>da</strong>s a<strong>da</strong>ptações, <strong>da</strong>s influências<br />

recíprocas ou <strong>da</strong>s regulações; não é nem mesmo o espaço no qual o<br />

ser vivo pode desenvolver e impor suas normas de vi<strong>da</strong>. O conjunto<br />

dessas forças, se se isolar as significações que esse pensamento do<br />

século XVIII aí colocou de um modo obscuro, é justamente aquilo<br />

que, no cosmos, se opõe à <strong>na</strong>tureza 43 O meio altera o tempo <strong>na</strong><br />

sucessão <strong>da</strong>s estações, <strong>na</strong> alternância de seus dias e suas noites; ele<br />

altera o sensível e seus calmos ecos no homem através <strong>da</strong>s vibrações<br />

de uma sensibili<strong>da</strong>de que só se rege pelos excessos do imaginário;<br />

ele afasta o homem de suas satisfações imediatas a fim de submetêlo<br />

às leis do interesse, que o impedem de ouvir as vozes de seu<br />

desejo. O meio começa ali onde a <strong>na</strong>tureza se põe a amadurecer no<br />

homem. Já não é desse modo que Rousseau mostrava que a <strong>na</strong>tureza<br />

acabava e que o meio humano se instaurava <strong>na</strong> catástrofe cósmica<br />

dos continentes desmoro<strong>na</strong>dos? 44 O meio não é a positivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza tal como ela se oferece ao ser vivo; pelo contrário, é essa<br />

negativi<strong>da</strong>de pela qual a <strong>na</strong>tureza em sua plenitude se subtrai ao ser<br />

vivo; e nesse recuo, nessa não-<strong>na</strong>tureza, algo se substitui à<br />

43 Neste ponto, as análises médicas se afastam dos conceitos de Buffon. Para ele,<br />

as forças penetrantes agrupavam igualmente aquilo que pertence à aatureca I<br />

ar, o céu) e aquilo que dela se afasta (socie<strong>da</strong>de, epidemias).<br />

44 ROUSSEAU, Discours sur !'origine de !'inégalité, Oeuvres, Paris, 1852, I, P. 553.<br />

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