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A história da loucura na idade clássica

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percebi<strong>da</strong>, anteriormente a to<strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de consciência, to<strong>da</strong><br />

formulação do saber. O medo diante <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, o isolamento para o<br />

qual ela é arrasta<strong>da</strong>, desig<strong>na</strong>m, ambos, uma região bem obscura<br />

onde a <strong>loucura</strong> é primitivamente senti<strong>da</strong> — reconheci<strong>da</strong> antes de ser<br />

conheci<strong>da</strong> — e onde se trama aquilo que pode haver de histórico em<br />

sua ver<strong>da</strong>de móvel.<br />

Sob a coação do inter<strong>na</strong>mento, o desatino, no século XVIII, não<br />

deixa de simplificar-se, de perder seus signos particulares numa<br />

monotonia indecisa. Aos poucos, as máscaras singulares sob as quais<br />

se praticava o inter<strong>na</strong>mento tor<strong>na</strong>m-se mais dificilmente discerníveis<br />

e se confundem <strong>na</strong> apreensão global <strong>da</strong> "liberti<strong>na</strong>gem".<br />

Inter<strong>na</strong>m-se como "libertinos" todos aqueles que não se<br />

consegue rotular como loucos. Será somente a obra de Sade, ao fi<strong>na</strong>l<br />

do século, e no momento em que se desfaz o mundo do<br />

inter<strong>na</strong>mento, que conseguirá deslin<strong>da</strong>r essa confusa uni<strong>da</strong>de: a<br />

partir de uma liberti<strong>na</strong>gem reduzi<strong>da</strong> ao denomi<strong>na</strong>dor <strong>da</strong> aparência<br />

sexual mais flagrante, ela reatará com todos os poderes do desatino,<br />

reencontrará a profundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s profa<strong>na</strong>ções, deixará que subam por<br />

ela to<strong>da</strong>s essas vozes do mundo no qual se abole a <strong>na</strong>tureza. Mas<br />

esta mesma obra, no discurso que ela persegue indefini<strong>da</strong>mente, não<br />

é a manifestação dessa essencial uniformi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> qual o desatino, ao<br />

fi<strong>na</strong>l do século XVIII, vem à to<strong>na</strong>? Uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s variações<br />

sexuais, cujo incessante recomeçar deve ser admitido como numa<br />

prece sempre recomeça<strong>da</strong> e que servem de invocação para o<br />

desatino distante.<br />

Enquanto o desatino se absorve assim no indiferenciado, não<br />

conservando mais que um obscuro poder de encantamento — ponto<br />

reluzente e nunca determinável — a <strong>loucura</strong>, pelo contrário, tende a<br />

especificar-se <strong>na</strong> própria medi<strong>da</strong> em que o desatino se retira e se<br />

desfaz no contínuo. O desatino tor<strong>na</strong>-se ca<strong>da</strong> vez mais um simples<br />

poder de fasci<strong>na</strong>ção; a <strong>loucura</strong>, pelo contrário, se instala como objeto<br />

de percepção.<br />

A 15 de julho de 1721, quando os comissários do parlamento<br />

visitam Saint-Lazare, indicam-lhes a presença de 23 "alie<strong>na</strong>dos", 4<br />

"fracos de espírito", 1 "violento" e 1 "furioso", sem contar os<br />

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