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A história da loucura na idade clássica

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Ninguém ousou barrar-lhe a porta, e ele atravessou o pátio, imitando a um<br />

bobo para grande alegria dos servidores. Continuou sem se emocio<strong>na</strong>r e<br />

chegou até a sala onde estavam o rei, a rainha e todos os cavaleiros. Marcos<br />

sorriu... 69<br />

Se a <strong>loucura</strong> no século XII está como que dessacraliza<strong>da</strong> é de<br />

início porque a miséria sofreu essa espécie de degra<strong>da</strong>ção que a faz<br />

ser encara<strong>da</strong> agora ape<strong>na</strong>s no horizonte <strong>da</strong> moral. A <strong>loucura</strong> só terá<br />

hospitali<strong>da</strong>de doravante entre os muros do hospital, ao lado de todos<br />

os pobres. É lá que a encontraremos ain<strong>da</strong> ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII.<br />

Com respeito a ela, <strong>na</strong>sceu uma nova sensibili<strong>da</strong>de: não mais<br />

religiosa, porém moral. Se o louco aparecia de modo familiar <strong>na</strong><br />

paisagem huma<strong>na</strong> <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, era como que vindo de um outro<br />

mundo. Agora, ele vai destacar-se sobre um fundo formado por um<br />

problema de "polícia", referente à ordem dos indivíduos <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de.<br />

Outrora ele era acolhido porque vinha de outro lugar; agora, será<br />

excluído porque vem <strong>da</strong>qui mesmo, e porque seu lugar é entre os<br />

pobres, os miseráveis, os vagabundos. A hospitali<strong>da</strong>de que o acolhe<br />

se tor<strong>na</strong>rá, num novo equívoco, a medi<strong>da</strong> de saneamento que o põe<br />

fora do caminho. De fato, ele continua a vagar, porém não mais no<br />

caminho de uma estranha peregri<strong>na</strong>ção: ele perturba a ordem do<br />

espaço social. Despoja<strong>da</strong> dos direitos <strong>da</strong> miséria e de sua glória, a<br />

<strong>loucura</strong>, com a pobreza e a ociosi<strong>da</strong>de, doravante surge, de modo<br />

seco, <strong>na</strong> dialética imanente dos Estados.<br />

O inter<strong>na</strong>mento, esse fato maciço cujos indícios são encontrados<br />

em to<strong>da</strong> a Europa do século XVII, é assunto de "polícia". Polícia, no<br />

sentido preciso que a era <strong>clássica</strong> atribui a esse termo, isto é,<br />

conjunto <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s que tor<strong>na</strong>m o trabalho ao mesmo tempo<br />

possível e necessário para todos aqueles que não poderiam viver sem<br />

ele. A pergunta que Voltaire irá logo formular já tinha sido feita pelos<br />

contemporâneos de Colbert:<br />

O quê? Desde que vocês se estabeleceram como corpo do povo ain<strong>da</strong> não<br />

encontraram o segredo para obrigar todos os ricos a fazer todos os pobres<br />

trabalharem? Neste caso ain<strong>da</strong> não chegaram nem à cartilha <strong>da</strong> polícia. 70<br />

Antes de ter o sentido médico que lhe atribuímos, ou que pelo<br />

menos gostamos de supor que tem, o inter<strong>na</strong>mento foi exigido por<br />

69 Tristan et Iseult, ed. Bossuat, p. 220.<br />

70 VOLTAIRE, Oeuvres completes, Gerai«, XXIII, p. 377.<br />

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