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A história da loucura na idade clássica

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que essas <strong>na</strong>us de loucos, que assombraram a imagi<strong>na</strong>ção de to<strong>da</strong> a<br />

primeira parte <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença, tenham sido <strong>na</strong>u peregri<strong>na</strong>ção, <strong>na</strong>vios<br />

altamente simbólicos de insanos em busca <strong>da</strong> razão: uns desciam os<br />

rios <strong>da</strong> Renânia <strong>na</strong> direção <strong>da</strong> Bélgica e de Gheel; outros subiam o<br />

Reno até o Jura e Besançon.<br />

Mas há outras ci<strong>da</strong>des, como Nuremberg, que certamente não<br />

foram lugar de peregri<strong>na</strong>ção e que acolheram grande número de<br />

loucos, bem mais que os que podiam ser fornecidos pela própria<br />

ci<strong>da</strong>de. Esses loucos são alojados e mantidos pelo orçamento <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de, mas não tratados: são pura e simplesmente jogados <strong>na</strong><br />

prisão 31 . E possível supor que em certas ci<strong>da</strong>des importantes —<br />

lugares de passagem e de feiras — os loucos eram levados pelos<br />

mercadores e marinheiros em número bem considerável, e que eles<br />

eram ali "perdidos", purificando-se assim de sua presença a ci<strong>da</strong>de de<br />

onde eram originários. Pode ser que esses lugares de<br />

"contraperegri<strong>na</strong>ção" tenham acabado por se confundir com aqueles<br />

pontos para onde, pelo contrário, os insanos eram levados a título de<br />

peregrinos. A preocupação de cura e de exclusão juntavam-se numa<br />

só: encerravam-nos no espaço sagrado do milagre. É possível que a<br />

aldeia de Gheel tenha-se desenvolvido deste modo: lugar de<br />

peregri<strong>na</strong>ção que se tornou prisão, terra santa onde a <strong>loucura</strong> espera<br />

sua libertação mas onde o homem realiza, segundo velhos temas,<br />

como que uma partilha ritual.<br />

É que esta circulação de loucos, o gesto que os escorraça, sua<br />

parti<strong>da</strong> e seu desembarque não encontram todo seu sentido ape<strong>na</strong>s<br />

ao nível <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de social ou <strong>da</strong> segurança dos ci<strong>da</strong>dãos. Outras<br />

significações mais próximas do rito sem dúvi<strong>da</strong> aí estão presentes; e<br />

ain<strong>da</strong> é possível decifrar alguns de seus vestígios. Assim é que o<br />

acesso às igrejas é proibido aos loucos 32 , enquanto o direito<br />

eclesiástico não lhes proíbe o uso dos sacramentos 33 . A Igreja não<br />

31 Em Nuremberg, no decorrer dos anos 1377-1378 e 1381-1397, contam-se 37<br />

loucos colocados <strong>na</strong>s prisões, dos quais 17 são estrangeiros provenientes de<br />

Regensburg, Weissenburg, Bamberg, Bayreuth, Vie<strong>na</strong>, Hungria, No período<br />

seguinte, parece que, por uma razão desconheci<strong>da</strong>, Nuremberg abandonou<br />

seu papel de ponto de encontro e que, pelo contrário, expulsam<br />

meticulosamente para fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de os loucos que não são originários <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de (cf. KIRCHHOFF, loc. tis.)<br />

32 Um menino de Nuremberg que tinha levado um louco a uma igreja é punido com<br />

três dias de prisão, em 1420 (cf. KIRCHHOFF, loc. cit.).<br />

33 O concílio de Cartago, em 348, havia permitido que se desse a comunhão a um<br />

louco, mesmo sem qualquer remissão, contanto que não houvesse nenhuma<br />

irreverência. São Tomás expõe a mesma opinião. Cf. PORTAS, Diction<strong>na</strong>ire<br />

des cas de consciente, 1741, I, p. 785.<br />

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