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A história da loucura na idade clássica

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Interrogo as estrelas e elas se calam; interrogo o dia e a noite, mas não<br />

respondem. Do fundo de mim mesmo, quando me interrogo, vêm...<br />

sonhos inexplicados 5 .<br />

Aquilo que há de próprio à linguagem <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> <strong>na</strong> poesia<br />

romântica é que ela é a linguagem do fim último e do recomeçar<br />

absoluto: fim do homem que mergulha <strong>na</strong> noite e descoberta, ao fim<br />

dessa noite, de uma luz que é a <strong>da</strong>s coisas em seu primeiro começo;<br />

é um subterrâneo vago que aos poucos se ilumi<strong>na</strong> e onde se separam, <strong>da</strong><br />

sombra e <strong>da</strong> noite, as páli<strong>da</strong>s figuras, gravemente imóveis, que habitam a<br />

mora<strong>da</strong> dos limbos. Depois o quadro se forma, uma clari<strong>da</strong>de nova<br />

ilumi<strong>na</strong>... 6<br />

A <strong>loucura</strong> fala a linguagem do grande retorno: não o retorno<br />

épico <strong>da</strong>s longas odisséias, no percurso indefinido dos mil caminhos<br />

do real, mas o retorno lírico por uma fulguração instantânea que,<br />

amadurecendo de repente a tempestade <strong>da</strong> realização, ilumi<strong>na</strong>-a e<br />

tranqüiliza-a <strong>na</strong> origem reencontra<strong>da</strong>. "A décima terceira volta é<br />

ain<strong>da</strong> a primeira." Tal é o poder <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: enunciar esse segredo<br />

insensato do homem, segundo o qual o ponto último de sua que<strong>da</strong> é<br />

sua primeira manhã, que sua noite termi<strong>na</strong> <strong>na</strong> mais jovem luz, que<br />

nela o fim é recomeço.<br />

Para além do longo silêncio clássico, a <strong>loucura</strong> reen- contra<br />

assim sua linguagem. Mas uma linguagem com significações bem<br />

diferentes; ela esqueceu os velhos discursos trágicos <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença<br />

onde se falava do dilacera-mento do mundo, do fim dos tempos, do<br />

homem devorado pela animali<strong>da</strong>de. Ela re<strong>na</strong>sce, essa linguagem <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>, mas como uma explosão lírica: descoberta de que no homem<br />

o interior é também o exterior, de que o ponto extremo <strong>da</strong><br />

subjetivi<strong>da</strong>de se identifica com o fascínio imediato do objeto, de que<br />

todo fim está votado à obsti<strong>na</strong>ção do retorno. Linguagem <strong>na</strong> qual não<br />

mais transparecem as figuras invisíveis do mundo, mas as ver<strong>da</strong>des<br />

secretas do homem.<br />

Aquilo que diz o lirismo é mostrado pela obsti<strong>na</strong>ção do<br />

pensamento discursivo; e aquilo que se sabe do louco<br />

(independentemente de to<strong>da</strong>s as aquisições possíveis no conteúdo<br />

objetivo dos conhecimentos científicos) assume uma significação<br />

inteiramente nova. O olhar que incide só incide sobre o louco — o que<br />

5 HÖLDERLIN, Hyperion (cit. ibid., p. 162).<br />

6 NERVAL, Aurélia, Paris, 1927, p. 25.<br />

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