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A história da loucura na idade clássica

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procuraram o suicídio 45 : inter<strong>na</strong>m-nos, impõe-se-lhes um regime que<br />

é simultaneamente uma punição e um meio de impedir qualquer<br />

outra tentativa. Foi neles que se aplicou, pela primeira vez no século<br />

XVIII, os famosos aparelhos de coação que a era positivista utilizará<br />

como terapêutica: a jaula de vime, com um buraco feito <strong>na</strong> parte<br />

superior para a cabeça, e à qual as mãos estão amarra<strong>da</strong>s 46 , ou o<br />

"armário" que fecha o indivíduo em pé, até o pescoço, deixando<br />

ape<strong>na</strong>s a cabeça de fora 47 . Com isso, o sacrilégio do suicídio vê-se<br />

anexado ao domínio neutro <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de. O sistema de repressão<br />

com o qual se sancio<strong>na</strong> esse ato libera-o de qualquer significação<br />

profa<strong>na</strong>dora e, definindo-o como conduta moral, o conduzirá<br />

progressivamente para os limites de uma psicologia. Pois sem dúvi<strong>da</strong><br />

pertence à cultura ocidental, em sua evolução nos três últimos<br />

séculos, o fato de haver fun<strong>da</strong>do uma ciência do homem basea<strong>da</strong> <strong>na</strong><br />

moralização <strong>da</strong>quilo que para ela, outrora, tinha sido sagrado.<br />

Deixemos de lado, por um momento, o horizonte religioso <strong>da</strong><br />

feitiçaria e sua evolução no decorrer <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong> 48 . Ao nível<br />

ape<strong>na</strong>s dos rituais e <strong>da</strong>s práticas, to<strong>da</strong> uma massa de gestos viu-se<br />

desprovi<strong>da</strong> de seus sentidos e esvazia<strong>da</strong> de seus conteúdos:<br />

procedimentos mágicos, receitas de feitiçaria benéfica ou prejudicial,<br />

segredos ventilados de uma alquimia elementar que aos poucos caiu<br />

no domínio público, tudo isso desig<strong>na</strong> agora uma impie<strong>da</strong>de difusa,<br />

uma falta moral, e como que a possibili<strong>da</strong>de permanente de uma<br />

desordem social.<br />

Os rigores <strong>da</strong> legislação não se atenuaram no decorrer do século<br />

XVII. Uma orde<strong>na</strong>nça de 1628 infligia a todos os adivinhos e<br />

astrólogos uma multa de 500 libras e uma punição corporal. O édito<br />

de 1682 é bem mais temível 49 : "To<strong>da</strong> pessoa que se ocupe com<br />

adivinhações deverá abando<strong>na</strong>r o Reino imediatamente"; to<strong>da</strong> prática<br />

supersticiosa deverá ser puni<strong>da</strong> exemplarmente e "conforme a<br />

exigência do caso"; e<br />

45 O mesmo acontece com os mortos: «Não mais se arrasta sobre a caniça<strong>da</strong><br />

aqueles que leis ineptas perseguiam após a morte. Num espetáculo aliás<br />

horrível e repug<strong>na</strong>nte, que podia ter conseqüências perigosas para uma<br />

ci<strong>da</strong>de cheia de mulheres grávi<strong>da</strong>s» (MERCIER, Tableau de Paris, 1783, III, p.<br />

195).<br />

46 Cf. HEINROTH, Lehrbuch der Störungen des Seelenleben, 1818.<br />

47 Ci. CASPER, Charakteristik der französischen Medizin, 1865.<br />

48 Reservamos este problema para um trabalho posterior.<br />

49 DELAMARE, Traité de la Ratice, I, p. 562.<br />

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