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A história da loucura na idade clássica

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Fortaleza, <strong>da</strong> Cela, do Subterrâneo, do Convento, <strong>da</strong> Ilha i<strong>na</strong>cessível<br />

que constituem como que o lugar <strong>na</strong>tural do desatino. Tampouco é<br />

por acaso que to<strong>da</strong> a literatura fantástica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e do horror,<br />

contemporânea <strong>da</strong> obra de Sade, se situa, de modo privilegiado, nos<br />

locais do inter<strong>na</strong>mento. To<strong>da</strong> esta brusca conversão <strong>da</strong> memória<br />

ocidental, ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII, com a possibili<strong>da</strong>de que lhe tinha<br />

sido <strong>da</strong><strong>da</strong> de reencontrar, deforma<strong>da</strong>s e dota<strong>da</strong>s de um novo sentido,<br />

as figuras familiares do fi<strong>na</strong>l <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média — não foi ela autoriza<strong>da</strong><br />

pela manutenção do fantástico nos próprios lugares em que o<br />

desatino havia sido reduzido ao silêncio?<br />

Na época <strong>clássica</strong>, a consciência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e a consciência do<br />

desatino não se haviam separado uma <strong>da</strong> outra. A experiência do<br />

desatino que guiara to<strong>da</strong>s as práticas do inter<strong>na</strong>mento envolvia a tal<br />

ponto a consciência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que a deixava, ou quase, desaparecer,<br />

em todo caso arrastava-a por um caminho de regressão onde ela<br />

estava prestes a perder o que tinha de mais específico.<br />

Mas <strong>na</strong> inquietude <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XVIII, o medo<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> cresce ao mesmo tempo que o pavor diante do desatino, e<br />

com isso as duas formas de assombro, apoiando-se uma <strong>na</strong> outra,<br />

não param de reforçar-se mutuamente. E no exato momento em que<br />

se assiste à libertação dos poderes imaginários que acompanham o<br />

desatino, multiplicam-se as queixas sobre as devastações <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

Já é conheci<strong>da</strong> a inquietação que as "doenças dos nervos" provocam<br />

e esta consciência segundo a qual o homem se tor<strong>na</strong> mais frágil à<br />

medi<strong>da</strong> que se aperfeiçoa 16 . Enquanto se avança pelo século adentro,<br />

a preocupação se tor<strong>na</strong> mais premente, e as advertências mais<br />

solenes. Já Raulin constatava que<br />

desde o <strong>na</strong>scimento <strong>da</strong> medici<strong>na</strong>... essas doenças se multiplicaram, tor<strong>na</strong>ramse<br />

mais perigosas, mais complica<strong>da</strong>s, mais espinhosas e mais difíceis de<br />

curar 17 .<br />

Na época de Tissot, essa impressão geral tornou-se crença<br />

sóli<strong>da</strong>, uma espécie de dogma médico: as doenças dos nervos<br />

eram muito mais freqüentes do que hoje, e por duas razões: primeira, os<br />

homens eram em geral mais robustos, ficando doentes mais raramente; havia<br />

16 Cf. Parte II, Cap. V.<br />

17 RAULIN, Traité des affections vaporeuses, Prefácio.<br />

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