15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

dos vícios. A partir do século XIII, é comum vê-la figurar entre os<br />

maus sol<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Psicomaquia 66 . Em Paris como em Amiens, ela<br />

participa <strong>da</strong>s más tropas e dessas doze duali<strong>da</strong>des que dividem entre<br />

si a soberania <strong>da</strong> alma huma<strong>na</strong>: Fé e Idolatria, Esperança e<br />

Desespero, Cari<strong>da</strong>de e Avareza, Casti<strong>da</strong>de e Luxúria, Prudência e<br />

Loucura, Paciência e Cólera, Suavi<strong>da</strong>de e Dureza, Concórdia e<br />

Discórdia, Obediência e Rebelião, Perseverança e Inconstância. Na<br />

Re<strong>na</strong>scença, a Loucura abando<strong>na</strong> esse lugar modesto, passando a<br />

ocupar o primeiro posto. Enquanto que em Hugues de Saint-Victor a<br />

árvore genealógica dos Vícios, a do Velho Adão, tinha por raiz o<br />

orgulho 67 , a Loucura, agora, conduz o coro alegre de to<strong>da</strong>s as<br />

fraquezas huma<strong>na</strong>s. Corifeu inconteste, ela as guia, as anima e as<br />

batiza:<br />

Reconheçam-<strong>na</strong>s aqui, no grupo de minhas companheiras... A<br />

que tem as sobrancelhas franzi<strong>da</strong>s, é Filáucia (o Amor-Próprio).<br />

Aquela que vocês vêem rir com os olhos e aplaudir com as mãos, é<br />

Colácia (a Adulação). A que parece meio adormeci<strong>da</strong>, é Leté (o<br />

Esquecimento). A que se apóia sobre os cotovelos e cruza as mãos, é<br />

Misoponia (a Preguiça). A que está coroa<strong>da</strong> de rosas e unta<strong>da</strong> de<br />

perfumes, é Hedoné (a Voluptuosi<strong>da</strong>de). Aquela cujos olhos erram<br />

sem se fixar é Anóia (o Estouvamento). A que tem bastante carne e<br />

se mantém próspera é Trifé (a Indolência). E entre essas jovens<br />

mulheres, eis dois deuses: o do Bem-Comer e o do Sono Profundo 68 .<br />

Privilégio absoluto <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: ela rei<strong>na</strong> sobre tudo o que há de<br />

mau no homem. Mas não rei<strong>na</strong> também, indiretamente, sobre todo o<br />

bem que ele possa fazer? Sobre a ambição que faz os sábios<br />

políticos, sobre a avareza que faz crescer as riquezas, sobre a<br />

indiscreta curiosi<strong>da</strong>de que anima os filósofos e cientistas? Louise Labé<br />

repete a mesma coisa depois de Erasmo; e Mercúrio, para ela,<br />

implora aos deuses:<br />

Não deixem que se perca esta lin<strong>da</strong> Senhora que tanto contentamento lhes<br />

deu 69 .<br />

Mas esta nova realeza pouca coisa em comum tem com o reino<br />

66 É necessário observar que a Loucura não aparecia nem <strong>na</strong> Psychomachie de<br />

PRUDÉNCIO, nem no Anticlaudianus de ALAIN DE LILLE, nem em<br />

Hugues de Saint-Victor. Sua presença constante <strong>da</strong>taria ape<strong>na</strong>s do século<br />

XIII?<br />

67 HUGUES DE SAINT-VICTOR, De fructibus carnis et spiritus. Patrol, CLXXVI, col.<br />

997.<br />

68 ERASMO, Êloge de la folie, § 9, trad. P. de Nolhac, p. 19.<br />

69 LOUISE LABÉ Débat de folie et d'amour, Lyon, 1566, p. 98.<br />

28

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!