15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sua origem, não passa de movimento que, ao chegar aos ouvidos,<br />

transforma-se em efeito qualitativo. O valor terapêutico <strong>da</strong> música<br />

provém de que essa transformação se desfaz no corpo, com a<br />

quali<strong>da</strong>de se redecompondo em movimentos e com a recepção <strong>da</strong><br />

sensação tor<strong>na</strong>ndo-se o que sempre tinha sido, vibrações regulares e<br />

equilíbrio <strong>da</strong>s tensões. O homem, como uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma e do corpo,<br />

percorre num sentido inverso o ciclo <strong>da</strong> harmonia, ao descer do<br />

harmonioso para o harmônico. A música se desenvolve nesse meio, e<br />

com isso a saúde se restabelece. Mas existe outro caminho, ain<strong>da</strong><br />

mais direto e mais eficaz; nesse, caso, o homem não mais representa<br />

esse papel negativo de antinstrumento, reagindo como se ele mesmo<br />

fosse o instrumento:<br />

Se se considerar o corpo humano como uma reunião de fibras mais ou<br />

menos tensas, abstração feita de sua sensibili<strong>da</strong>de, de sua vi<strong>da</strong>, de seu<br />

movimento, ver-se-á sem dificul<strong>da</strong>des que a música deve fazer o mesmo<br />

efeito sobre as fibras que ela provoca sobre instrumentos vizinhos.<br />

Efeito de ressonância que não precisa seguir as vias sempre<br />

longas e complexas <strong>da</strong> sensação auditiva. O gênero nervoso vibra<br />

com a música que enche o ar, as fibras são como outras tantas<br />

"<strong>da</strong>nçari<strong>na</strong>s sur<strong>da</strong>s" cujo movimento se faz em uníssono com uma<br />

música que elas não ouvem. E desta vez é no próprio interior do<br />

corpo, <strong>da</strong> fibra nervosa até a alma, que se faz a recomposição <strong>da</strong><br />

música, com a estrutura harmônica <strong>da</strong> consonância reconduzindo o<br />

funcio<strong>na</strong>mento harmonioso <strong>da</strong>s paixões 79 .<br />

O próprio uso <strong>da</strong> paixão <strong>na</strong> terapêutica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> não deve ser<br />

entendido como uma forma de medicação psicológica. Utilizar a<br />

paixão contra as demências não é outra coisa que dirigir-se à uni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> alma e do corpo <strong>na</strong>quilo que ela tem de mais rigoroso, servir-se<br />

de um evento no duplo sistema de seus efeitos e <strong>na</strong> correspondência<br />

imediata de sua significação. Curar a <strong>loucura</strong> pela paixão pressupõe<br />

que nos colocamos no simbolismo recíproco entre alma e corpo. O<br />

medo, no século XVIII, é considerado como uma <strong>da</strong>s paixões que<br />

mais se deve suscitar no louco. Acredita-se que seja o complemento<br />

<strong>na</strong>tural <strong>da</strong>s coações que se impõem aos maníacos e aos furiosos;<br />

sonha-se mesmo com uma espécie de trei<strong>na</strong>mento que faria com que<br />

ca<strong>da</strong> acesso de cólera num maníaco fosse logo acompanhado e<br />

79 Encyclopédie, verbete «Música». Cf. TISSOT, Traité des nerfs, II, PP. 418-419,<br />

para quem a música é um dos medicamentos «mais primitivos, pois tem seu<br />

modelo perfeito no canto dos pássaros».<br />

359

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!