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A história da loucura na idade clássica

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Existe uma certa tendência para acreditar que os gestos <strong>da</strong><br />

magia e as condutas profa<strong>na</strong>tórias tor<strong>na</strong>m-se patológicas a partir do<br />

momento em que uma cultura deixa de reconhecer sua eficácia. De<br />

fato, pelo menos em nossa cultura, a passagem para o patológico não<br />

se realizou de uma maneira imediata, mas sim através <strong>da</strong> transição<br />

de uma época que neutralizou sua eficácia culpabilizando sua crença.<br />

A transformação dos interditos em neuroses passa por uma etapa em<br />

que a interiorização se faz sob as espécies de uma citação moral:<br />

conde<strong>na</strong>ção ética do erro. Durante todo esse período, a magia não<br />

mais se inscreve, no sistema do mundo, entre as técnicas e as artes<br />

do sucesso; mas ela não é ain<strong>da</strong>, <strong>na</strong>s condutas psicológicas do<br />

indivíduo, uma compensação imaginária do fracasso. Situa-se<br />

exatamente no ponto onde o erro articula-se sobre a falta, nessa<br />

região (para nós difícil de apreender) <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de, mas a respeito<br />

<strong>da</strong> qual o Classicismo havia formado uma sensibili<strong>da</strong>de<br />

suficientemente fi<strong>na</strong> para ter inventado um modo de reação origi<strong>na</strong>l:<br />

o inter<strong>na</strong>mento. Todos esses signos que se tor<strong>na</strong>riam, a partir <strong>da</strong><br />

psiquiatria do século XIX, os sintomas inequívocos <strong>da</strong> doença,<br />

durante quase dois séculos ficaram divididos "entre a impie<strong>da</strong>de e a<br />

extravagância", a meio caminho entre o profa<strong>na</strong>tório e o patológico —<br />

ali onde o desatino assume suas dimensões próprias.<br />

A obra de Bo<strong>na</strong>venture Forcroy teve certa repercussão nos<br />

últimos anos do rei<strong>na</strong>do de Luís XIV. Na própria época em que Bayle<br />

compunha seu Dicionário, Forcroy foi uma <strong>da</strong>s últimas testemunhas<br />

<strong>da</strong> liberti<strong>na</strong>gem erudita, ou um dos primeiros filósofos no sentido que<br />

o século XVIII atribuirá a esse termo. Escreveu uma Vie d'Apollonius<br />

de Thyane, inteiramente dirigi<strong>da</strong> contra o milagre cristão. Mais tarde<br />

entregou "aos srs. doutores <strong>da</strong> Sorbonne" uma dissertação sob o<br />

título Doutes sur la religion. Essas dúvi<strong>da</strong>s eram em número de 17;<br />

<strong>na</strong> última, Forcroy interrogava-se para saber se a lei <strong>na</strong>tural não é "a<br />

única religião ver<strong>da</strong>deira"; o filósofo <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza é representado<br />

como sendo um segundo Sócrates e um outro Moisés, "um novo<br />

patriarca reformador do gênero humano, fun<strong>da</strong>dor de uma nova<br />

religião" 54 . Semelhante "liberti<strong>na</strong>gem", em outras circunstâncias, têlo-ia<br />

levado à fogueira, a exemplo de Vanini, ou à Bastilha, como<br />

tantos outros autores de livros ímpios no século XVIII. Ora, Forcroy<br />

não foi nem queimado nem embastilhado, mas inter<strong>na</strong>do durante seis<br />

anos em Saint-Lazare e enfim libertado, com ordens de retirar-se<br />

54 Um manuscrito desse texto encontra-se <strong>na</strong> Biblioteca do Arse<strong>na</strong>l, ms. 10515.<br />

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