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A história da loucura na idade clássica

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decretar a existência ou ausência <strong>da</strong> doença. Mas a tarefa do médico<br />

não se esgota nesta decisão: um trabalho mais apurado deve então<br />

começar. É necessário determi<strong>na</strong>r quais são as facul<strong>da</strong>des atingi<strong>da</strong>s<br />

(memória, imagi<strong>na</strong>ção ou razão), de que modo e em que grau. Assim,<br />

a razão é diminuí<strong>da</strong> <strong>na</strong> fatuitas; é perverti<strong>da</strong> superficialmente <strong>na</strong>s<br />

paixões e profun<strong>da</strong>mente no frenesi e <strong>na</strong> melancolia. Enfim, a mania,<br />

o furor e to<strong>da</strong>s as formas mórbi<strong>da</strong>s do sono abolem-<strong>na</strong><br />

completamente.<br />

Seguindo o fio dessas diferentes questões, é possível interrogar<br />

as condutas huma<strong>na</strong>s e determi<strong>na</strong>r em que medi<strong>da</strong> se pode atribuí-las<br />

à <strong>loucura</strong>. Casos há, por exemplo, em que o amor é alie<strong>na</strong>ção. Antes<br />

mesmo de apelar para a peritagem médica, pode o juiz suspeitar de<br />

sua existência se observar no comportamento <strong>da</strong> pessoa uma<br />

coquetterie excessiva, uma preocupação contínua com or<strong>na</strong>mentos e<br />

perfumes ou ain<strong>da</strong> se tem oportuni<strong>da</strong>de de constatar sua presença<br />

numa rua pouco freqüenta<strong>da</strong> por onde passa uma bonita mulher. Mas<br />

todos esses indícios ape<strong>na</strong>s esboçam uma probabili<strong>da</strong>de: mesmo<br />

reunidos, não poderiam provocar uma decisão. Cabe ao médico<br />

descobrir as marcas indubitáveis <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. A pessoa perdeu o<br />

apetite e o sono, seu olhar está parado, entrega-se a longos<br />

momentos de tristeza? É porque sua razão já se perverteu, estando<br />

ela acometi<strong>da</strong> por essa melancolia do amor que Hucherius define<br />

como "a doença atrabiliária de uma alma que desati<strong>na</strong>, enga<strong>na</strong><strong>da</strong> pelo<br />

fantasma e pela falsa avaliação <strong>da</strong> beleza". Mas se, quando o<br />

indivíduo percebe o objeto que o consome e seus olhos se tor<strong>na</strong>m<br />

esgazeados, seu pulso o se acelera e ele se comporta como prisioneiro<br />

de grande agitação desorde<strong>na</strong><strong>da</strong>, deve ser considerado um<br />

irresponsável, nem mais nem menos que qualquer outro maníaco 45 .<br />

Os poderes de decisão são entregues ao juízo médico: ape<strong>na</strong>s ele<br />

nos introduz no mundo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Ape<strong>na</strong>s ele permite que se<br />

distingam o normal do insano, o criminoso do alie<strong>na</strong>do irresponsável.<br />

Ora, a prática do inter<strong>na</strong>mento está estrutura<strong>da</strong> segundo um outro<br />

tipo: de modo algum ela se pauta por uma decisão médica. Depende<br />

de outra consciência. A jurisprudência do inter<strong>na</strong>mento é bastante<br />

complexa no que respeita aos loucos. Considerando-se os textos ao pé<br />

<strong>da</strong> letra, parece que uma análise médica é sempre necessária: em<br />

Bethleem, até 1773 se exige um certificado comprovando que o<br />

45 ZACCHIAS Quaestiones..., II, título I.<br />

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