15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

no mundo, que parece revelar aí seu não-senso e aí transfigurar-se<br />

nos traços ape<strong>na</strong>s do patológico, no fundo engaja nela o tempo do<br />

mundo, domi<strong>na</strong>-o e o conduz; pela <strong>loucura</strong> que a interrompe, uma<br />

obra abre um vazio, um tempo de silêncio, uma questão sem<br />

resposta, provoca um dilaceramento sem reconciliação onde o mundo<br />

é obrigado a interrogar-se. O que existe de necessariamente<br />

profa<strong>na</strong>dor numa obra retor<strong>na</strong> através disso e, no tempo dessa obra<br />

que desmoronou no silêncio, o mundo sente sua culpabili<strong>da</strong>de.<br />

Doravante, e através <strong>da</strong> mediação <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, é o mundo que se<br />

tor<strong>na</strong> culpado (pela primeira vez no mundo ocidental) aos olhos <strong>da</strong><br />

obra; ei-lo requisitado por ela, obrigado a orde<strong>na</strong>r-se por sua<br />

linguagem, coagido por ela a uma tarefa de reconhecimento, de<br />

reparação; obrigado à tarefa de <strong>da</strong>r a razão desse desatino, para<br />

esse desatino. A <strong>loucura</strong> em que a obra soçobra é o espaço de nosso<br />

trabalho, é o caminho infinito para triunfar sobre ela, é nossa<br />

vocação, misto de apóstolo e de exegeta. É por isso que pouco<br />

importa saber quando se insinuou no orgulho de Nietzsche, <strong>na</strong><br />

humil<strong>da</strong>de de Van Gogh, a voz primeira <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Só há <strong>loucura</strong><br />

como instante último <strong>da</strong> obra esta a empurra indefini<strong>da</strong>mente para<br />

seus confins; ali onde há obra, não há <strong>loucura</strong>; e no entanto a<br />

<strong>loucura</strong> é contemporânea <strong>da</strong> obra, <strong>da</strong>do que ela i<strong>na</strong>ugura o tempo de<br />

sua ver<strong>da</strong>de. No instante em que, juntas, <strong>na</strong>scem e se realizam a<br />

obra e a <strong>loucura</strong>, tem-se o começo do tempo em que o mundo se vê<br />

determi<strong>na</strong>do por essa obra e responsável por aquilo que existe diante<br />

dela.<br />

Artifício e novo triunfo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: esse mundo que acredita<br />

avaliá-la, justificá-la através <strong>da</strong> psicologia, deve justificar-se diante<br />

dela, uma vez que em seu esforço e em seus debates ele se mede<br />

por obras desmedi<strong>da</strong>s como a de Nietzsche, de Van Gogh, de Artaud.<br />

E nele não há <strong>na</strong><strong>da</strong>, especialmente aquilo que ele pode conhecer <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>, capaz de assegurar-lhe que essas obras <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> o<br />

justificam.<br />

584

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!