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A história da loucura na idade clássica

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ordem dos Estados não sofre mais a desordem dos corações. Por<br />

certo não é a primeira vez <strong>na</strong> cultura européia que a falta moral,<br />

mesmo em sua forma. mais priva<strong>da</strong>, assume o aspecto de um<br />

atentado contra as leis escritas ou não escritas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Mas nessa<br />

grande inter<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>, o essencial e o evento novo é que<br />

a lei não mais conde<strong>na</strong>: inter<strong>na</strong>-se <strong>na</strong>s ci<strong>da</strong>delas <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de pura,<br />

onde a lei que deveria imperar sobre os corações será aplica<strong>da</strong> sem<br />

compromissos nem ameni<strong>da</strong>des, sob as _espécies rigorosas <strong>da</strong><br />

coação física. Supõe-se uma sorte de reversibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem moral<br />

dos princípios à ordem física, uma possibili<strong>da</strong>de de passar <strong>da</strong> primeira<br />

para a segun<strong>da</strong> sem resíduos, nem coações, nem abuso do poder. A<br />

aplicação exaustiva <strong>da</strong> lei moral não pertence tampouco à ordem <strong>da</strong>s<br />

realizações; ela pode efetuar-se a partir do nível <strong>da</strong>s sínteses sociais.<br />

A moral se deixa administrar como o comércio ou a economia.<br />

Vê-se assim inscrever-se <strong>na</strong>s instituições <strong>da</strong> mo<strong>na</strong>rquia absoluta<br />

— <strong>na</strong>quelas mesmas que durante longo tempo permaneceram como<br />

símbolo de arbitrarie<strong>da</strong>de — a grande idéia burguesa, e logo<br />

republica<strong>na</strong>, segundo a qual também a virtude é um assunto de<br />

Estado, que é possível fazê-la imperar através de decretos e<br />

estabelecer uma autori<strong>da</strong>de a fim de ter-se a certeza de que será<br />

respeita<strong>da</strong>. Os muros <strong>da</strong> inter<strong>na</strong>ção encerram de certo modo o lado<br />

negativo desta ci<strong>da</strong>de moral, com a qual a consciência burguesa<br />

começa a sonhar no século XVII: ci<strong>da</strong>de moral desti<strong>na</strong><strong>da</strong> aos que<br />

gostariam, de saí<strong>da</strong>, de esquivar-se dela, ci<strong>da</strong>de onde o direito<br />

impera ape<strong>na</strong>s através de uma força contra a qual não cabe recurso<br />

— uma espécie de soberania do bem em que triunfa ape<strong>na</strong>s a<br />

ameaça, e onde a virtude (tanto ela tem seu prêmio em si mesma) só<br />

tem por recompensa o fato de escapar ao castigo. À sombra <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de burguesa <strong>na</strong>sce essa estranha república do bem imposta pela<br />

força a todos os suspeitos de pertencer ao mal. E o avesso do grande<br />

sonho e <strong>da</strong> grande preocupação <strong>da</strong> burguesia <strong>na</strong> época <strong>clássica</strong>: as<br />

leis do Estado e as leis do coração fi<strong>na</strong>lmente identifica<strong>da</strong>s umas com<br />

as outras.<br />

Que nossos políticos se dignem interromper suas elucubrações... e que<br />

saibam que se tem tudo com o dinheiro, exceção feita dos costumes e dos<br />

ci<strong>da</strong>dãos 108 .<br />

Não será esse o sonho que parece ter assombrado os fun<strong>da</strong>dores<br />

108 ROUSSEAU, Discours sur les sciences et les arts.<br />

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