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A história da loucura na idade clássica

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homem retoma vi<strong>da</strong> no castelo dos assassi<strong>na</strong>tos. Ali, o homem é<br />

fi<strong>na</strong>lmente entregue à sua <strong>na</strong>tureza. Ou melhor, por uma ética<br />

própria desse estranho inter<strong>na</strong>mento, o homem deve zelar pela<br />

manutenção, sem esmorecimentos de sua fideli<strong>da</strong>de à <strong>na</strong>tureza:<br />

tarefa estrita, inesgotável <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de:<br />

Você não conhecerá <strong>na</strong><strong>da</strong> se não tiver conhecido tudo; e se for tímido<br />

demais para ficar <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza, ela lhe escapará para sempre 27 .<br />

Inversamente, quando o homem ferir ou alterar a <strong>na</strong>tureza, cabe<br />

ao homem reparar o mal através do cálculo de uma vingança<br />

sobera<strong>na</strong>:<br />

A <strong>na</strong>tureza fez com que <strong>na</strong>scêssemos iguais; se a sorte se compraz em<br />

alterar esse plano <strong>da</strong>s leis gerais, cabe-nos corrigir os caprichos e reparar<br />

as usurpações mais fortes 28 .<br />

A lentidão <strong>da</strong> desforra, assim como a insolência do desejo,<br />

pertence à <strong>na</strong>tureza. Tudo que a <strong>loucura</strong> do homem inventa é, ou<br />

<strong>na</strong>tureza manifesta<strong>da</strong>, ou <strong>na</strong>tureza restaura<strong>da</strong>.<br />

Mas este, no pensamento de Sade, é ape<strong>na</strong>s o primeiro<br />

momento: a irônica justificativa racio<strong>na</strong>l e lírica, o gigantesco<br />

pastiche de Rousseau. A partir dessa demonstração pelo absurdo <strong>da</strong><br />

i<strong>na</strong>nição <strong>da</strong> filosofia contemporânea e de to<strong>da</strong> sua verborragia sobre<br />

o homem e a <strong>na</strong>tureza, serão toma<strong>da</strong>s as ver<strong>da</strong>deiras decisões:<br />

decisões que são outras tantas rupturas, <strong>na</strong>s quais se abole a ligação<br />

do homem com seu ser <strong>na</strong>tural 29 . A famosa Socie<strong>da</strong>de dos Amigos do<br />

Crime, o programa <strong>da</strong> Constituição para a Suécia, quando despojados<br />

de suas fustigantes referências ao Contrato Social e às constituições<br />

projeta<strong>da</strong>s para a Polônia ou para a Córsega, estabelecem sempre<br />

ape<strong>na</strong>s o rigor soberano <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> recusa de to<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<br />

e de to<strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de <strong>na</strong>turais: disposição incontrola<strong>da</strong> de um por<br />

outro, exercício desmedido <strong>da</strong> violência, aplicação ilimita<strong>da</strong> do direito<br />

de morte — to<strong>da</strong> essa socie<strong>da</strong>de, cujo único liame é a própria recusa<br />

do liame, surge como a demissão <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza — a única coesão<br />

solicita<strong>da</strong> dos indivíduos do grupo tem por sentido proteger não uma<br />

existência <strong>na</strong>tural, mas o livre exercício <strong>da</strong> soberania sobre e contra a<br />

27 Cent vingt journées de Sodome, cit. por BLANCHOT, Lautréamont et Sade, Paris,<br />

1949, p. 235.<br />

28 Cit. por BLANCHOT. idem, p.<br />

29 A infâmia deve poder chegar ao ponto de «desmembrar a <strong>na</strong>tureza e deslocar o<br />

universo» (Cent vingt journées, Paris, 1935, II, p. 369).<br />

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