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A história da loucura na idade clássica

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esta prática. Uma e outra pertencem a dois mundos diferentes.<br />

Uma depende de certa experiência <strong>da</strong> pessoa como sujeito de<br />

direito, cujas formas e obrigações são a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s; a outra pertence a<br />

certa experiência do indivíduo como ser social. Num caso, é preciso<br />

a<strong>na</strong>lisar a <strong>loucura</strong> <strong>na</strong>s modificações que ela não pode deixar de fazer<br />

no sistema <strong>da</strong>s obrigações; no outro, é necessário considerá-la com<br />

todos os parentescos morais que justificam sua exclusão. Enquanto<br />

sujeito de direito, o homem se liberta de suas responsabili<strong>da</strong>des <strong>na</strong><br />

própria medi<strong>da</strong> em que é um alie<strong>na</strong>do; como ser social, a <strong>loucura</strong> o<br />

compromete <strong>na</strong>s vizinhanças <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de. O direito, portanto,<br />

apurará ca<strong>da</strong> vez mais sua análise <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; e, num sentido, é justo<br />

dizer que é sobre o fundo de uma experiência jurídica <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção<br />

que se constituiu a ciência médica <strong>da</strong>s doenças mentais. Já <strong>na</strong>s<br />

formulações <strong>da</strong> jurisprudência do século XVII vêem-se emergir<br />

algumas <strong>da</strong>s estruturas apura<strong>da</strong>s <strong>da</strong> psicopatologia. Zacchias, por<br />

exemplo, <strong>na</strong> velha categoria <strong>da</strong> fatuitas, <strong>da</strong> imbecili<strong>da</strong>de, distingue<br />

níveis que parecem pressagiar a classificação de Esquirol e, logo, to<strong>da</strong><br />

a psicologia <strong>da</strong>s debili<strong>da</strong>des mentais. No primeiro posto de uma ordem<br />

decrescente, ele coloca os "parvos" que podem testemunhar,<br />

testamentar e casar-se, porém não entrar para as ordens nem<br />

administrar, "pois são como crianças que se aproximam <strong>da</strong><br />

puber<strong>da</strong>de". Os imbecis propriamente ditos (fatui) vêm a seguir; não<br />

se lhes pode confiar responsabili<strong>da</strong>de alguma; seus espíritos estão<br />

abaixo <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> razão, como as crianças de menos de sete anos.<br />

Quanto aos stolidi, os estúpidos, são <strong>na</strong><strong>da</strong> mais <strong>na</strong><strong>da</strong> menos que<br />

pedras: não se lhes pode autorizar nenhum ato jurídico, salvo talvez o<br />

testamento, se pelo menos tiverem discernimento suficiente para<br />

reconhecer seus parentes 57 . Sob a pressão dos conceitos do direito, e<br />

com a necessi<strong>da</strong>de de delimitar de modo exato a perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

jurídica, a análise <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção não deixa de apurar-se e parece<br />

antecipar as teorias médicas que a seguem de longe.<br />

A diferença é profun<strong>da</strong>, se se comparar com essas análises os<br />

conceitos em vigor <strong>na</strong> prática do inter<strong>na</strong>mento. Um termo como<br />

imbecili<strong>da</strong>de só tem valor num sistema de equivalências aproxima<strong>da</strong>s,<br />

que exclui to<strong>da</strong> determi<strong>na</strong>ção precisa. Na Cari<strong>da</strong>de de Senlis,<br />

encontraremos um "louco que se tornou imbecil„ um "homem outrora<br />

57 ZACCHIAS, Quaestiones..., livro II, título I, questão 7, Lyon, '.674, pp. 127-128.<br />

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