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A história da loucura na idade clássica

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entanto, a ameaça mais imediata. Percebem-<strong>na</strong> assim,<br />

simultaneamente, como indispensável degenerescência — uma vez<br />

que é a condição <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> razão burguesa — e como<br />

esquecimento contingente, acidental, dos princípios <strong>da</strong> moral e <strong>da</strong><br />

religião — uma vez que se tem de tor<strong>na</strong>r as coisas mais fúteis,<br />

julgando aquilo que se apresenta como a imediata contradição de<br />

uma ordem cujo fim não se pode prever. Desse modo entrará num<br />

torpor, por volta <strong>da</strong> metade do século XIX, essa consciência histórica<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que durante muito tempo havia sido manti<strong>da</strong> desperta <strong>na</strong><br />

era do "positivismo militante".<br />

Esta passagem pela <strong>história</strong>, por mais precária e esqueci<strong>da</strong> que<br />

tenha sido, nem por isso é menos decisiva para a experiência <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong> tal como se deu no século XIX. O homem instaura um novo<br />

relacio<strong>na</strong>mento com a <strong>loucura</strong>, num certo sentido um relacio<strong>na</strong>mento<br />

mais imediato e também mais exterior. Na experiência <strong>clássica</strong>, o<br />

homem comunicava-se com a <strong>loucura</strong> pelo caminho <strong>da</strong> falta, o que<br />

significa que a consciência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> implicava necessariamente uma<br />

experiência <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. A <strong>loucura</strong> era o erro por excelência, a per<strong>da</strong><br />

absoluta <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII, esboçam-se as linhas<br />

gerais de uma nova experiência <strong>na</strong> qual o homem, <strong>na</strong> <strong>loucura</strong>, não<br />

perde a ver<strong>da</strong>de, mas sua ver<strong>da</strong>de; não são mais as leis do mundo<br />

que lhe escapam, mas ele mesmo é que escapa às leis de sua própria<br />

essência. Tissot evoca esse desenvolvimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> ao fi<strong>na</strong>l do<br />

século XVIII como um esquecimento humano <strong>da</strong>quilo que constitui<br />

sua mais imediata ver<strong>da</strong>de; os homens<br />

recorreram a prazeres factícios, a maioria dos quais são ape<strong>na</strong>s um modo de<br />

se ser singular, oposto aos costumes <strong>na</strong>turais, e cujo mérito está totalmente<br />

<strong>na</strong> estranheza; isso constitui uma reali<strong>da</strong>de para os que ele pode subtrair à<br />

penosa sensação de uma excitação vazia, sensação que homem algum pode<br />

agüentar e que faz com que tudo o que o cerque lhe seja caro. Daí, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, a origem primeira do luxo, que não passa de uma isca para uma<br />

multidão de coisas supérfluas... Esta condição é a de um hipocondríaco que<br />

necessita de um grande número de remédios para contentar-se e que nem<br />

por isso é menos infeliz 63 .<br />

Na <strong>loucura</strong>, o homem é separado de sua ver<strong>da</strong>de e exilado <strong>na</strong><br />

presença imediata de um ambiente em que ele mesmo se perde.<br />

Quando o homem clássico perdia a ver<strong>da</strong>de, é porque era rejeitado<br />

para essa existência imediata onde sua animali<strong>da</strong>de causava<br />

devastação, ao mesmo tempo em que aparecia essa decadência<br />

63 Essai sur les maladies der Bens du monde, pp. 11-12.<br />

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