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A história da loucura na idade clássica

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médico. As doenças dos nervos autorizam as cumplici<strong>da</strong>des <strong>da</strong> cura.<br />

Todo um mundo de símbolos e imagens está <strong>na</strong>scendo, no qual o<br />

médico vai i<strong>na</strong>ugurar, com seu doente, um primeiro diálogo.<br />

A partir de então, ao longo do século XVIII, desenvolve-se uma<br />

medici<strong>na</strong> <strong>na</strong> qual o conjunto médico-doente se vai tor<strong>na</strong>ndo o<br />

elemento constituinte. É esse par, com as figuras imaginárias através<br />

<strong>da</strong>s quais se comunica, que organiza, segundo os novos modos, o<br />

mundo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. As curas de aquecimento ou resfriamento, de<br />

contração ou expansão, todo o labor, comum ao médico e ao doente,<br />

<strong>da</strong>s realizações imaginárias, permitem que se perfilem formas<br />

patológicas que as classificações serão ca<strong>da</strong> vez mais incapazes de<br />

assimilar. Mas é no interior dessas formas, ain<strong>da</strong> que de fato tenham<br />

sido supera<strong>da</strong>s, que se efetua o ver<strong>da</strong>deiro trabalho do saber.<br />

Voltemos a atenção para o nosso ponto de parti<strong>da</strong>: de um lado,<br />

uma consciência que pretende reconhecer o louco sem mediações,<br />

sem nem mesmo essa mediação que seria um conhecimento<br />

discursivo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; do outro, uma ciência que pretende poder<br />

desenvolver, segundo o plano de suas virtuali<strong>da</strong>des, to<strong>da</strong>s as formas<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, com todos os signos que manifestam sua ver<strong>da</strong>de. Entre<br />

as duas, <strong>na</strong><strong>da</strong> — um vazio: uma ausência, quase sensível (tanto é<br />

evidente) <strong>da</strong>quilo que seria a <strong>loucura</strong> como forma concreta e geral,<br />

como elemento real no qual os loucos se reencontrariam, como solo<br />

profundo do qual <strong>na</strong>sceriam, em sua surpreendente particulari<strong>da</strong>de,<br />

os signos do insano. A doença mental, <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong>, não existe, se<br />

por isso entender-se a pátria <strong>na</strong>tural do insano, a mediação entre o<br />

louco percebido e a demência a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong> — em suma, a ligação do<br />

louco com sua <strong>loucura</strong>. O louco e a <strong>loucura</strong> são estranhos um ao<br />

outro: ca<strong>da</strong> um deles retém em si sua ver<strong>da</strong>de, como que<br />

confiscando-as para si mesmos.<br />

O desatino é, de início, tudo isso: essa cisão profun<strong>da</strong>, que<br />

depende de uma era de entendimento e que alie<strong>na</strong> um em relação ao<br />

outro, tor<strong>na</strong>ndo-os estranhos um em relação ao outro, o louco e sua<br />

<strong>loucura</strong>.<br />

Portanto, já é possível apreender o desatino nesse vazio. Não é o<br />

inter<strong>na</strong>mento, aliás, uma sua versão institucio<strong>na</strong>l? O inter<strong>na</strong>mento,<br />

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