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A história da loucura na idade clássica

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Contudo, negligenciar o lugar que a <strong>loucura</strong> realmente ocupou no<br />

domínio <strong>da</strong> patologia seria um postulado, portanto um erro de<br />

método. A inserção <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> <strong>na</strong>s nosologias do século XVIII, por<br />

mais contraditória que possa parecer, não deve ser posta de lado. Ela<br />

tem, com to<strong>da</strong> certeza, uma significação. E é necessário aceitar como<br />

tal — isto é, com tudo que ela diz e tudo que oculta — esta curiosa<br />

oposição entre uma consciência perceptiva do louco (que no século<br />

XVIII foi singularmente viva, tanto era sem dúvi<strong>da</strong> negativa) e um<br />

conhecimento discursivo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que como<strong>da</strong>mente se inscreveria<br />

no plano positivo e orde<strong>na</strong>do de to<strong>da</strong>s as doenças possíveis 35 .<br />

Contentemo-nos, começando, em confrontar alguns exemplos de<br />

classificação <strong>da</strong>s <strong>loucura</strong>s.<br />

Paracelso, anteriormente, havia estabelecido a distinção entre os<br />

Lu<strong>na</strong>tici, cuja doença deve sua origem à lua e cuja conduta, em suas<br />

irregulari<strong>da</strong>des aparentes, organiza-se secretamente de acordo com<br />

suas fases e seus movimentos; os Insani, que devem seu mal à<br />

hereditarie<strong>da</strong>de, a menos que o tenham contraído, pouco antes do<br />

<strong>na</strong>scimento, no ventre de suas mães; os Vesani, que se viram<br />

privados dos sentidos e <strong>da</strong> razão por abuso de bebi<strong>da</strong>s e mau uso dos<br />

alimentos; os Melancholici, com uma tendência para a <strong>loucura</strong> em<br />

virtude de um vício qualquer de suas <strong>na</strong>turezas inter<strong>na</strong>s 36 .<br />

Classificação de inegável coerência, onde a ordem <strong>da</strong>s causas<br />

articula-se logicamente em sua totali<strong>da</strong>de: primeiro o mundo<br />

exterior, a seguir a hereditarie<strong>da</strong>de e o <strong>na</strong>scimento, os defeitos <strong>da</strong><br />

alimentação e fi<strong>na</strong>lmente as perturbações inter<strong>na</strong>s.<br />

Mas aquilo que o pensamento clássico recusa são justamente as<br />

classificações desse gênero. Para que uma classificação seja váli<strong>da</strong> é<br />

necessário, antes de mais <strong>na</strong><strong>da</strong>, que a forma de ca<strong>da</strong> doença seja<br />

determi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> forma <strong>da</strong>s outras; a seguir, é preciso<br />

35 Este problema parece ser a réplica de um outro com que nos deparamos <strong>na</strong><br />

primeira parte, quando se tratava de explicar como a hospitalização dos<br />

loucos pôde coincidir com seu inter<strong>na</strong>mento. Este é ape<strong>na</strong>s um dos inúmeros<br />

exemplos de a<strong>na</strong>logias estruturais entre o domínio explorado a partir <strong>da</strong>s<br />

práticas e aquele que se esboça através <strong>da</strong>s especulações científicas ou<br />

teóricas. Um pouco por to<strong>da</strong> parte, a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é singularmente<br />

dissocia<strong>da</strong> de si mesma e contraditória; mas nosso trabalho consiste em<br />

procurar, ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> profundi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiência, o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de e<br />

de sua dissociação.<br />

36 PARACELSO, Sõmtlicke Werke, Munique, Südhoff, 1923, I Abeitlung, vol. IÍ, p.<br />

391 e s.<br />

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