15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

de modo tão cruel, ela manifestava. O homem, atualmente, só<br />

encontra sua ver<strong>da</strong>de no enigma do louco que ele é e não é; ca<strong>da</strong><br />

louco traz e não traz em si essa ver<strong>da</strong>de do homem que ele põe a nu<br />

<strong>na</strong> <strong>na</strong>scença de sua humani<strong>da</strong>de.<br />

O asilo construído pelo escrúpulo de Pinel não serviu para <strong>na</strong><strong>da</strong> e<br />

não protegeu o mundo contemporâneo contra a grande maré <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>. Ou melhor, serviu, serviu muito bem. Se libertou o louco <strong>da</strong><br />

desumani<strong>da</strong>de de suas correntes, acorrentou ao louco o homem e sua<br />

ver<strong>da</strong>de. Com isso, o homem tem acesso a si mesmo como ser<br />

ver<strong>da</strong>deiro, mas esse ser ver<strong>da</strong>deiro só lhe é <strong>da</strong>do <strong>na</strong> forma <strong>da</strong><br />

alie<strong>na</strong>ção.<br />

Em nossa ingenui<strong>da</strong>de, imagi<strong>na</strong>mos talvez ter descrito um tipo<br />

psicológico, o louco, através de cento e cinqüenta anos de sua<br />

<strong>história</strong>. Somos obrigados a constatar que, ao fazer a <strong>história</strong> do<br />

louco, o que fizemos foi — não, sem dúvi<strong>da</strong>, ao nível de uma crônica<br />

<strong>da</strong>s descobertas ou de uma <strong>história</strong> <strong>da</strong>s idéias, mas seguindo o<br />

encadeamento <strong>da</strong>s estruturas fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> experiência — a<br />

<strong>história</strong> <strong>da</strong>quilo que tornou possível o próprio aparecimento de uma<br />

psicologia. E por isso entendemos um fato cultural próprio do mundo<br />

ocidental desde o século XIX: esse postulado maciço definido pelo<br />

homem no ermo, mas que o demonstra bem: o ser humano não se<br />

caracteriza por um certo relacio<strong>na</strong>mento com a ver<strong>da</strong>de, mas detém,<br />

como pertencente a ele de fato, simultaneamente oferta<strong>da</strong> e<br />

oculta<strong>da</strong>, uma ver<strong>da</strong>de.<br />

Deixemos que a linguagem siga seu caminho: o homo<br />

psychologicus é um descendente do homo mente captus.<br />

Uma vez que só pode falar a linguagem <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção, a<br />

psicologia portanto só é possível <strong>na</strong> crítica do homem ou <strong>na</strong> crítica de<br />

si mesma. Ela está sempre, por <strong>na</strong>tureza, <strong>na</strong> encruzilha<strong>da</strong> dos<br />

caminhos: aprofun<strong>da</strong>r a negativi<strong>da</strong>de do homem ao ponto extremo<br />

onde amor e morte pertencem um ao outro indissoluvelmente, bem<br />

como o dia e a noite, a repetição atemporal <strong>da</strong>s coisas e a pressa <strong>da</strong>s<br />

estações que se sucedem — e acabar por filosofar a martela<strong>da</strong>s. Ou<br />

então exercer-se através <strong>da</strong>s retoma<strong>da</strong>s incessantes, dos<br />

ajustamentos do sujeito e do objeto, do interior e do exterior, do<br />

vivido e do conhecimento.<br />

575

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!