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A história da loucura na idade clássica

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eficaz em virtude de suas rupturas incessantes de continui<strong>da</strong>de, mas<br />

pela novi<strong>da</strong>de dos objetos que propõe, a curiosi<strong>da</strong>de que faz surgir.<br />

Ela deve permitir que se capte do exterior um espírito que escapa a<br />

to<strong>da</strong> regra, escapando-se a si mesmo <strong>na</strong> vibração de seu movimento<br />

interior.<br />

Se se pode perceber objetos ou pessoas que possam chamar a atenção,<br />

afastando-a de suas idéias desregra<strong>da</strong>s e fixando-a um pouco sobre<br />

outras, é preciso apresentá-las freqüentemente aos maníacos, e é por isso<br />

que se pode tirar partido de uma viagem que interrompe a seqüência <strong>da</strong>s<br />

antigas idéias e que oferece objetos que fixam a atenção 68 .<br />

Utiliza<strong>da</strong> pelas mu<strong>da</strong>nças que ele acarreta <strong>na</strong> melancolia, ou pela<br />

regulari<strong>da</strong>de que impõe à mania, a terapêutica pelo movimento<br />

oculta a idéia de um confisco pelo mundo do espírito alie<strong>na</strong>do. Ela é<br />

ao mesmo tempo uma "orde<strong>na</strong>ção" e uma conversão, uma vez que o<br />

movimento prescreve seu ritmo, porém constitui, por sua novi<strong>da</strong>de<br />

ou varie<strong>da</strong>de, um apelo constante ao espírito para que saia de si<br />

mesmo e entre no mundo. Se é fato que <strong>na</strong>s técnicas <strong>da</strong> imersão se<br />

ocultam sempre as lembranças éticas, quase religiosas, <strong>da</strong> ablução e<br />

do segundo <strong>na</strong>scimento, nessas curas pelo movimento é possível<br />

reconhecer um tema moral simétrico, mas invertido em relação ao<br />

primeiro: voltar ao mundo, entregar-se à sua sabedoria, retomando<br />

um lugar <strong>na</strong> ordem geral e com isso esquecer a <strong>loucura</strong> que é o<br />

momento <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de pura. Vê-se como, até no empirismo dos<br />

meios de cura, se encontram novamente as grandes estruturas<br />

organizadoras <strong>da</strong> experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong>. Erro e falta,<br />

a <strong>loucura</strong> é ao mesmo tempo impureza e solidez; ela é um<br />

afastamento do mundo e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, mas é também, justamente por<br />

isso, prisioneira do mal. Seu duplo <strong>na</strong><strong>da</strong> é o de ser a forma visível<br />

desse não-ser que é o mal e de proferir, no vazio e <strong>na</strong> aparência<br />

colori<strong>da</strong> de seu delírio, o não-ser do erro. Ela é totalmente pura, pois<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> é a não ser o ponto evanescente de uma subjetivi<strong>da</strong>de à qual<br />

foi subtraí<strong>da</strong> to<strong>da</strong> presença <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de; e totalmente impura, uma<br />

vez que esse <strong>na</strong><strong>da</strong> que ela é, é o não-ser do mal. A técnica de cura,<br />

até em seus símbolos físicos mais carregados de intensi<strong>da</strong>de<br />

imaginária — consoli<strong>da</strong>ção e recolocação em movimento de um lado,<br />

purificação e imersão do outro — orde<strong>na</strong>-se secretamente em relação<br />

68 CULLEN, Institutions de médecine pratique, Ir, p. 317. É sobre esta idéia que<br />

repousam as técnicas <strong>da</strong> cura pelo trabalho, que começam a justificar, no<br />

século XVIII, a existência, aliás já anterior a esta <strong>da</strong>ta, de ofici<strong>na</strong>s nos<br />

hospitais.<br />

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