15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

concreta, esta compensação <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> nos limites mais exteriores,<br />

mais i<strong>na</strong>cessíveis de uma razão discursiva, organizam-se de acordo<br />

com uma certa ausência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>; de uma <strong>loucura</strong> que não estaria<br />

liga<strong>da</strong> à razão através de uma fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong>; de uma <strong>loucura</strong><br />

envolvi<strong>da</strong> num debate real com a razão e que, em to<strong>da</strong> a extensão<br />

que vai <strong>da</strong> percepção ao discurso, do reconhecimento ao<br />

conhecimento, seria generali<strong>da</strong>de concreta, espécie viva e<br />

multiplica<strong>da</strong> em suas manifestações. Uma certa ausência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

impera sobre to<strong>da</strong> essa experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Aí se estabeleceu um<br />

vazio que atinge talvez o essencial.<br />

Pois o que é ausência, do ponto de vista <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, poderia<br />

muito bem ser <strong>na</strong>scimento de outra coisa: o ponto em que se<br />

fomenta uma outra experiência, no labor silencioso do positivo.<br />

O louco não é manifesto em seu ser: mas se ele é indubitável, é<br />

porque é outro. Ora, esta alteri<strong>da</strong>de, <strong>na</strong> época em que nos colocamos,<br />

não é senti<strong>da</strong> de imediato como diferença experimenta<strong>da</strong> a partir de<br />

uma certa certeza de si mesma. Diante desses insanos que imagi<strong>na</strong>m<br />

ser "bilhas ou ter corpos de vidro", Descartes sabia que não era como<br />

eles: "Ora, são loucos... " O inevitável reconhecimento de suas<br />

<strong>loucura</strong>s surgia espontaneamente, num relacio<strong>na</strong>mento estabelecido<br />

entre eles e ele próprio. O sujeito que percebia a diferença media-se<br />

a partir de si mesmo: "Eu não seria menos extravagante se seguisse<br />

o exemplo deles". No século XVIII, esta consciência de alteri<strong>da</strong>de<br />

oculta, sob uma aparente identi<strong>da</strong>de, uma estrutura bem diferente,<br />

que se formula não a partir de uma certeza, mas de uma regra geral:<br />

ela implica um relacio<strong>na</strong>mento exterior que vai dos outros a esse<br />

outro singular que é o louco, num confronto onde o sujeito não é<br />

comprometido e nem mesmo convocado sob a forma de uma<br />

evidência: "Chamamos de <strong>loucura</strong> essa doença dos órgãos do cérebro<br />

que impede necessariamente um homem de pensar e agir como os<br />

outros" 11 . O louco é o outro em relação aos outros: o outro — no<br />

sentido <strong>da</strong> exceção — entre os outros — no sentido do universal.<br />

To<strong>da</strong> forma de interiori<strong>da</strong>de é, agora, conjura<strong>da</strong>: o louco é evidente,<br />

mas seu perfil se destaca sobre o espaço exterior; e o relacio<strong>na</strong>mento<br />

que o define entrega-o totalmente, através do jogo <strong>da</strong>s comparações<br />

11 VOLTAIRE, Diction<strong>na</strong>ire..., art. «Loucura», p. 285.<br />

202

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!