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A história da loucura na idade clássica

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arquesa d'Espart poderá solicitar a interdição de seu marido ape<strong>na</strong>s<br />

com algumas aparências de uma ligação contrária aos interesses de<br />

seu patrimônio; não perdeu ele sua razão, aos olhos <strong>da</strong> justiça?31<br />

Devassidão, prodigali<strong>da</strong>de, ligação inconfessável, casamento<br />

vergonhoso: tudo isso está entre os motivos mais numerosos do<br />

inter<strong>na</strong>mento. Este poder de repressão, que não pertence<br />

inteiramente ao domínio <strong>da</strong> justiça nem exatamente ao <strong>da</strong> religião,<br />

este poder arrancado diretamente à autori<strong>da</strong>de real não representa,<br />

no fundo, a arbitrarie<strong>da</strong>de do despotismo, mas sim o caráter<br />

doravante rigoroso <strong>da</strong>s exigências familiares. O inter<strong>na</strong>mento foi<br />

colocado pela mo<strong>na</strong>rquia absoluta à disposição <strong>da</strong> família burguesa 32 .<br />

Moreau o afirma claramente em seu Discours sur la justice, em 1771:<br />

Uma família vê crescer em seu seio um indivíduo covarde, pronto a desonrála.<br />

Para subtraí-lo à infâmia, ela se apressa a antecipar, com seu próprio<br />

julgamento, o dos tribu<strong>na</strong>is, e esta deliberação familiar é uma opinião que o<br />

soberano deve exami<strong>na</strong>r complacentemente 33 .<br />

É ape<strong>na</strong>s no fi<strong>na</strong>l do século XVIII, no ministério de Breteuil, que<br />

começa a haver uma oposição a esse princípio, e que o poder<br />

monárquico tenta dessoli<strong>da</strong>rizar-se <strong>da</strong>s exigências <strong>da</strong> família. A<br />

circular de 1784 declara:<br />

O fato de uma pessoa maior de i<strong>da</strong>de aviltar-se num casamento vergonhoso,<br />

ou arrui<strong>na</strong>r-se através de gastos impensados, ou entregar-se aos excessos <strong>da</strong><br />

devassidão e viver como um crápula, <strong>na</strong><strong>da</strong> disso me parece constituir motivos<br />

suficientemente fortes para privar <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de aqueles que são sui juris 34 .<br />

No século XIX, o conflito entre o indivíduo e sua família tor<strong>na</strong>-se<br />

assunto particular, e assumirá o aspecto de um problema psicológico.<br />

Durante todo o período do inter<strong>na</strong>mento, esse assunto esteve no<br />

entanto ligado à ordem pública; punha em causa uma espécie de<br />

estatuto moral universal: to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de interessava-se pelo rigor <strong>da</strong><br />

estrutura familiar. Todo aquele que feria essa estrutura passava para<br />

o mundo do desatino. E foi assim tor<strong>na</strong>ndo-se a forma maior <strong>da</strong><br />

31<br />

BALZAC, L'Interdiction. La Comédie humaine, ed. Co<strong>na</strong>rd, VII, pp. 135<br />

e s.<br />

32 Um lugar de inter<strong>na</strong>mento entre tantos outros: «Todos os parentes do dito Noël<br />

Robert Huet... têm a honra de humildemente representar a Vossa Alteza o<br />

fato de que têm a desgraça de ter por parente ao dito Huet, que nunca valeu<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong>, nem nunca quis fazer coisa alguma, entregando-se à devassidão,<br />

freqüentando más companhias que poderiam levar à desonra <strong>da</strong> família e de<br />

sua irmã, que ain<strong>da</strong> não se casou» (Arse<strong>na</strong>l, ms. 11617. f. 101).<br />

33 Citado por PIETRI, La Réforme de l'Êtat au XVIIIe siècle, Paris, 1935, p. 263.<br />

34 Circular de Breteuil. Citado por FUNCK-BRENTANO, Les Lettres de caches, Paris,<br />

1903.<br />

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