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A história da loucura na idade clássica

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Sua razão está bastante desorde<strong>na</strong><strong>da</strong>, fala sem parar e<br />

freqüentemente vê-se acometido por acessos de raiva, o último dos<br />

quais quase custou a vi<strong>da</strong> a um de seus companheiros; deste modo,<br />

tudo parece concorrer para fazer sua detenção continuar 10 .<br />

A <strong>loucura</strong> sem a intenção de parecer um louco ou a simples<br />

intenção sem <strong>loucura</strong> merecem o mesmo tratamento, talvez pelo fato<br />

de obscuramente terem a mesma origem: o mal ou, pelo menos, uma<br />

vontade perversa. Por conseguinte, a passagem de uma para outra<br />

será fácil, e admite-se facilmente que alguém se tor<strong>na</strong> louco pelo<br />

simples fato de ter desejado ser um louco. A respeito de um homem<br />

"que tem a <strong>loucura</strong> de querer falar ao rei sem nunca ter desejado<br />

dizer a um ministro o que tem a dizer ao rei", d'Argenson escreve:<br />

tanto fez esse desati<strong>na</strong>do, <strong>na</strong> Bastilha ou em Bicêtre, que de fato se tornou<br />

um louco, e quer sempre falar com o rei em particular, e quando tentam<br />

fazer com que se explique a respeito, ele se expressa em termos que<br />

aparentemente não são <strong>na</strong><strong>da</strong> racio<strong>na</strong>is 11 .<br />

Vê-se assim como a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que se expressa <strong>na</strong><br />

prática do inter<strong>na</strong>mento, e que sem dúvi<strong>da</strong> também se forma através<br />

dela, é estranha à que, desde o direito romano e os juristas do século<br />

XIII, se encontra formula<strong>da</strong> <strong>na</strong> consciência jurídica. Para os homens<br />

<strong>da</strong> lei, a <strong>loucura</strong> atinge essencialmente a razão, com isso alterando a<br />

vontade ao mesmo tempo em que a inocenta:<br />

Loucura ou extravagância é uma alie<strong>na</strong>ção do espírito, um desarranjo <strong>da</strong><br />

razão que nos impede de distinguir o ver<strong>da</strong>deiro do falso e que, através de<br />

uma agitação contínua do espírito, deixa aquele que é por ela atingido sem<br />

condições para poder <strong>da</strong>r qualquer consentimento 12 .<br />

O essencial portanto é saber se a <strong>loucura</strong> é real e qual o seu<br />

grau: quanto mais profun<strong>da</strong> for, mais a vontade do indivíduo será<br />

considera<strong>da</strong> inocente. Bouchet transcreve diversos despachos<br />

orde<strong>na</strong>ndo que pessoas que em estado de furor matassem mesmo seus<br />

parentes mais próximos não seriam puni<strong>da</strong>s 13 .<br />

Pelo contrário, no mundo do inter<strong>na</strong>mento pouco importa saber<br />

se a razão está de fato atingi<strong>da</strong>; caso esteja, e seu uso está com isso<br />

impedido, é sobretudo por uma flexão <strong>da</strong> vontade que não pode ser<br />

10 Arquivos <strong>da</strong> Bastilha, RAVAISSON, XIII, p. 438.<br />

11 Idem, p. 66-67.<br />

12 Diction<strong>na</strong>ire de droit..., verbete «Loucura», p. 611.<br />

13 Bibliothèque de droit (rançais, verbete «furiosus».<br />

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