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A história da loucura na idade clássica

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vivas que sejam, e rigorosamente inseri<strong>da</strong>s no corpo, essas imagens<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> são, uma vez que <strong>na</strong><strong>da</strong> representam. Quanto ao juízo errôneo,<br />

este julga de um modo ape<strong>na</strong>s aparente: <strong>na</strong><strong>da</strong> afirmando de<br />

ver<strong>da</strong>deiro ou de real, <strong>na</strong><strong>da</strong> afirma em absoluto, e é considerado, em<br />

sua totali<strong>da</strong>de, o não-ser do erro.<br />

Unindo a visão e a cegueira, a imagem e o juízo, o fantasma e a<br />

linguagem, o sono e a vigília, o dia e a noite, a <strong>loucura</strong> no fundo não<br />

é <strong>na</strong><strong>da</strong>, pois liga neles o que têm de negativo. Mas esse <strong>na</strong><strong>da</strong> tem por<br />

paradoxo a manifestação desse aspecto, fazendo-o explodir em<br />

signos, em falas, em gestos. Inextricável uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem e <strong>da</strong><br />

desordem, do ser racio<strong>na</strong>l <strong>da</strong>s coisas e desse <strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Pois a<br />

<strong>loucura</strong>, se <strong>na</strong><strong>da</strong> é, só pode manifestar-se saindo de si mesma,<br />

aparecendo <strong>na</strong> ordem <strong>da</strong> razão, tor<strong>na</strong>ndo-se assim o contrário de si<br />

mesma. Assim se esclarecem os paradoxos <strong>da</strong> experiência <strong>clássica</strong>: a<br />

<strong>loucura</strong> está sempre ausente, num eterno retiro onde ela é<br />

i<strong>na</strong>cessível, sem fenômeno nem positivi<strong>da</strong>de. E no entanto ela está<br />

presente e perfeitamente visível sob as espécies singulares do<br />

homem louco. Ela, que é desordem insensata, quando exami<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

revela ape<strong>na</strong>s espécies orde<strong>na</strong><strong>da</strong>s, mecanismos rigorosos <strong>na</strong> alma e<br />

no corpo, linguagem articula<strong>da</strong> segundo uma lógica visível. Tudo é<br />

razão <strong>na</strong>quilo que a <strong>loucura</strong> pode dizer sobre si mesma, ela que é<br />

negação <strong>da</strong> razão. Em suma, uma apreensão racio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> é<br />

sempre possível e necessária, <strong>na</strong> exata medi<strong>da</strong> em que ela é não-<br />

razão.<br />

Como evitar o resumir essa experiência numa única palavra,<br />

Desatino? Aquilo que existe, para a razão, de mais próximo e mais<br />

distante, de mais pleno e mais vazio; aquilo que se oferece a ela em<br />

estruturas familiares autorizando um conhecimento e, logo, uma<br />

ciência que se pretende positiva e que está sempre atrasa<strong>da</strong> em<br />

relação a ela, <strong>na</strong> reserva i<strong>na</strong>cessível do <strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

E se agora se pretender fazer prevalecer o desatino clássico por<br />

si mesmo, fora de seus parentescos com o sonho e o erro, é<br />

necessário entendê-lo não como razão doentia, perdi<strong>da</strong> ou alie<strong>na</strong><strong>da</strong>,<br />

mas simplesmente como razão ofusca<strong>da</strong>.<br />

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