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A história da loucura na idade clássica

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ilumi<strong>na</strong>do, nem abertura pura e simples <strong>da</strong>s vias do conhecimento.<br />

Ela se instaura num movimento de proscrição que lembra, que reitera<br />

mesmo aquele pelo qual os leprosos foram escorraçados <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de medieval.. Mas os leprosos eram portadores do visível<br />

emblema do mal; os novos proscritos <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong> ostentam os<br />

estigmas mais secretos <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de. Se é ver<strong>da</strong>de que o<br />

inter<strong>na</strong>mento circunscreve a área de uma objetivi<strong>da</strong>de possível, é<br />

num domínio já afetado pelos valores negativos do banimento. A<br />

objetivi<strong>da</strong>de tornou-se a pátria do desatino, mas como um castigo.<br />

Quanto aos que professam que a <strong>loucura</strong> só caiu sob o olhar<br />

sere<strong>na</strong>mente científico do psiquiatra após ser liberta<strong>da</strong> <strong>da</strong>s velhas<br />

participações religiosas e éticas <strong>na</strong>s quais a I<strong>da</strong>de Média a havia<br />

encerrado, esses devem ser constantemente remetidos a esse<br />

momento decisivo em que a insani<strong>da</strong>de conquistou suas dimensões<br />

de objeto, ao partir para esse exílio onde durante séculos ficou mu<strong>da</strong>;<br />

deve-se pôr-lhes diante dos olhos esse pecado origi<strong>na</strong>l, e fazer<br />

reviver para eles a obscura conde<strong>na</strong>ção que lhes permitiu, e só ela,<br />

manter sobre o desatino, afi<strong>na</strong>l, reduzido ao silêncio, esses discursos<br />

cuja neutrali<strong>da</strong>de é proporcio<strong>na</strong>l à capaci<strong>da</strong>de que eles têm para se<br />

esquecer dos fatos. Não é importante para nossa cultura que o<br />

desatino só tenha podido tor<strong>na</strong>r-se objeto de conhecimento <strong>na</strong><br />

medi<strong>da</strong> em que foi, prelimi<strong>na</strong>rmente, objeto de excomunhão?<br />

Mais ain<strong>da</strong>: se ele indica o movimento pelo qual a razão se<br />

distancia do desatino e se liberta de seu velho parentesco com este, o<br />

inter<strong>na</strong>mento manifesta também a sujeição do desatino a coisa bem<br />

diferente <strong>da</strong> apreensão pelo conhecimento. Ele o sujeita a to<strong>da</strong> uma<br />

rede de obscuras cumplici<strong>da</strong>des. É esta sujeição que vai atribuir<br />

lentamente ao desatino o rosto concreto e indefini<strong>da</strong>mente cúmplice<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, tal como o conhecemos agora em nossa experiência.<br />

Entre os muros do inter<strong>na</strong>mento encontravam-se misturados os<br />

doentes venéreos, devassos, "pretensas feiticeiras", alquimistas,<br />

libertinos — e também, vamos vê-lo, os insanos. Parentescos se<br />

formam, comunicações se estabelecem; e aos olhos <strong>da</strong>queles para os<br />

quais a insani<strong>da</strong>de está se tor<strong>na</strong>ndo um objeto, um campo quase<br />

homogêneo se vê assim delimitado. Da culpabili<strong>da</strong>de e do patético de<br />

cunho sexual aos velhos ritos obse<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> invocação e <strong>da</strong> magia,<br />

aos prestígios e aos delírios <strong>da</strong> lei do coração, estabelece-se uma<br />

rede subterrânea que esboça como que as fun<strong>da</strong>ções secretas de<br />

nossa experiência moder<strong>na</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Sobre esse domínio assim<br />

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