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A história da loucura na idade clássica

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azão do que fibras secas, esfria<strong>da</strong>s ou coagula<strong>da</strong>s; três moças que<br />

haviam viajado de charrete <strong>na</strong> época mais fria do inverno foram<br />

acometi<strong>da</strong>s de demência; Bartholin devolveu-lhes a razão<br />

"envolvendo-lhes a cabeça com uma pele de carneiro recémescorchado".<br />

Amentia morosis: Sauvages não sabe se se deve<br />

distingui-la <strong>da</strong> demência' serosa; amentia ab ictu; amentia<br />

rachialgica; amentia a quarta<strong>na</strong>, devido à febre quartã; amentia<br />

calculosa: não foi achado no cérebro de um demente "um cálculo<br />

pisciforme que <strong>na</strong><strong>da</strong>va <strong>na</strong> serosi<strong>da</strong>de do ventrículo"?<br />

Num certo sentido, não há sintomatologia própria à demência:<br />

nenhuma forma de delírio, de aluci<strong>na</strong>ção ou de violência lhe pertence<br />

de fato, por sua necessi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>tural. Sua ver<strong>da</strong>de é feita ape<strong>na</strong>s de<br />

uma justaposição: de um lado, uma acumulação de causas eventuais,<br />

cujo nível, ordem e <strong>na</strong>tureza podem ser tão diversos quanto possível;<br />

do outro, uma série de efeitos que têm por característica comum<br />

ape<strong>na</strong>s a manifestação <strong>da</strong> ausência ou o funcio<strong>na</strong>mento defeituoso <strong>da</strong><br />

razão, sua impossibili<strong>da</strong>de de atingir a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas e a<br />

ver<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s idéias. A demência é a forma empírica, a mais geral e a<br />

mais negativa ao mesmo tempo, do desatino — a não-razão como<br />

presença percebi<strong>da</strong> que ela tem de concreto, mas que não permite<br />

que determine o que tem de positivo. É esta presença, que escapa<br />

sempre a si mesma, que Dufour tenta delimitar mais de perto em seu<br />

Traité de l'entendement humain. Ele faz com que prevaleça to<strong>da</strong> a<br />

multiplici<strong>da</strong>de de causas possíveis, acumulando os determinismos<br />

parciais que se puderam invocar a respeito <strong>da</strong> demência: rigidez <strong>da</strong>s<br />

fibras, secura do cérebro, como queria Bonet, moleza e serosi<strong>da</strong>de do<br />

encéfalo, como indicava Hil<strong>da</strong>nus, uso <strong>da</strong> meimendro, do estramônio,<br />

do ópio, do açafrão (conforme as observações de Rey, Bautain,<br />

Barère), presença de um tumor, de vermes encefálicos, deformações<br />

do crânio. To<strong>da</strong>s elas causas positivas, mas que levam sempre ao<br />

mesmo resultado negativo — à ruptura do espírito com o mundo<br />

exterior e com o ver<strong>da</strong>deiro:<br />

Os acometidos pela demência são bastante negligentes e indiferentes a<br />

to<strong>da</strong>s as coisas; cantam, riem e divertem-se indistintamente tanto com o<br />

mal quanto com o bem; a fome, o frio e a sede... estão presentes neles,<br />

mas não os afligem; também sentem as impressões que os objetos fazem<br />

sobre os sentidos, mas não parecem preocupar-se com isso. 6<br />

Assim se superpõem, porém sem uni<strong>da</strong>de real, a positivi<strong>da</strong>de<br />

6 DUFOUR, loc. cit., pp. 358-359.<br />

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