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A história da loucura na idade clássica

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correspondências. Velha idéia, a de que não existe no mundo uma<br />

forma de doença, um rosto do mal que não se possa apagar, se se<br />

puder encontrar um antídoto, que aliás não pode deixar de existir,<br />

embora num lugar <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza infinitamente recuado. O mal não<br />

existe em estado simples; é sempre compensado: "Antigamente, a<br />

erva era boa para o louco e ruim para o carrasco". O uso dos vegetais<br />

e dos sais logo será reinterpretado numa farmacopéia de estilo<br />

racio<strong>na</strong>lista e colocado numa relação discursiva com as perturbações<br />

do organismo que se acredita poder curar. No entanto, <strong>na</strong> era<br />

<strong>clássica</strong> houve alguma resistência: o domínio <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Durante<br />

muito tempo, ela permanece em comunicação direta com elementos<br />

cósmicos que a sabedoria do mundo espalhou pelos segredos <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza. E, coisa estranha, a maioria dessas antíteses, constituí<strong>da</strong>s<br />

to<strong>da</strong>s pela <strong>loucura</strong>, não são de ordem vegetal, mas do reino humano<br />

ou do reino mineral. Como se os poderes inquietantes <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção,<br />

que lhe abrem um lugar particular entre as formas <strong>da</strong> patologia, só<br />

pudessem ser reduzidos através dos segredos mais subterrâneos <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza ou, pelo contrário, pelas essências mais sutis que compõem<br />

a forma visível do homem. Fenômeno <strong>da</strong> alma e do corpo, estigma<br />

propriamente humano, nos limites do pecado, signo de uma<br />

decadência mas igualmente lembrança <strong>da</strong> própria que<strong>da</strong>, a <strong>loucura</strong> só<br />

pode ser cura<strong>da</strong> pelo homem e seu envoltório mortal de pecador. Mas<br />

a imagi<strong>na</strong>ção <strong>clássica</strong> ain<strong>da</strong> não expatriou o tema <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> liga<strong>da</strong><br />

às forças mais obscuras, mais notur<strong>na</strong>s do mundo, e que ele<br />

configura como uma ascensão dessas profundezas inferiores <strong>da</strong> terra<br />

onde espreitam desejos e pesadelos. Portanto, ela se aparenta às<br />

pedras, às gemas, a todos esses tesouros ambíguos que veiculam<br />

com seu brilho tanto uma riqueza quanto uma maldição: suas cores<br />

vivas encerram um fragmento <strong>da</strong> noite. O vigor durante tanto tempo<br />

intato desses temas morais e imaginários explica sem dúvi<strong>da</strong> por<br />

que, <strong>na</strong> era <strong>clássica</strong>, se encontra a presença desses medicamentos<br />

humanos e minerais e a razão de serem obsti<strong>na</strong><strong>da</strong>mente aplicados <strong>na</strong><br />

<strong>loucura</strong>, desprezando-se a maioria <strong>da</strong>s concepções médicas <strong>da</strong> época.<br />

Em 1638, Jean de Serres havia traduzido as famosas Oeuvres<br />

pharmaceutiques de Jean Renou, onde se diz que<br />

o autor <strong>da</strong> Natureza incutiu de modo divino, em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s pedras<br />

preciosas, uma virtude particular e admirável que obriga os reis e os<br />

príncipes a com elas semear suas coroas... para servirem -se delas a fim<br />

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