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A história da loucura na idade clássica

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simbolismos internos, domi<strong>na</strong>do inteiramente pela presença cruza<strong>da</strong><br />

dos astros, desapareceu, sem que a "<strong>na</strong>tureza" tenha encontrado sua<br />

condição de universali<strong>da</strong>de, sem que acolha o reconhecimento lírico<br />

do homem e o conduza no ritmo de suas estações. O que os clássicos<br />

retêm do "mundo", o que já pressentem <strong>da</strong> "<strong>na</strong>tureza", é uma lei<br />

extremamente abstrata, que no entanto constitui a oposição mais<br />

viva e mais concreta, a do dia e <strong>da</strong> noite. Não é mais a época fatal<br />

dos planetas, não é ain<strong>da</strong> a época lírica <strong>da</strong>s estações; é o tempo<br />

universal, mas absolutamente dividido, <strong>da</strong> clari<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>s trevas.<br />

Forma que o pensamento domi<strong>na</strong> inteiramente numa ciência<br />

matemática — a física cartesia<strong>na</strong> é como uma mathesis <strong>da</strong> luz — mas<br />

que ao mesmo tempo traça <strong>na</strong> existência huma<strong>na</strong> a grande cesura<br />

trágica: a -que domi<strong>na</strong> do mesmo modo imperioso o tempo teatral de<br />

Racine e o espaço de Georges de la Tour. O círculo do dia e <strong>da</strong> ,noite<br />

é a lei do mundo clássico: a mais reduzi<strong>da</strong>, porém a mais exigente<br />

<strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do mundo, a mais inevitável, porém a mais simples<br />

<strong>da</strong>s legali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza.<br />

Lei que exclui to<strong>da</strong> dialética e to<strong>da</strong> reconciliação; lei que, por<br />

conseguinte, instaura ao mesmo tempo a uni<strong>da</strong>de sem rupturas do<br />

conhecimento e a partilha descompromissa<strong>da</strong> <strong>da</strong> existência trágica;<br />

ela rei<strong>na</strong> sobre um mundo sem crepúsculo, que não conhece efusão<br />

alguma, nem as preocupa ções atenua<strong>da</strong>s do lirismo. Tudo deve ser<br />

ou vigília ou sonho, ver<strong>da</strong>de ou noite, luz do ser ou <strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> sombra.<br />

Ela prescreve uma ordem inevitável, uma partilha sere<strong>na</strong> que tor<strong>na</strong><br />

possível a ver<strong>da</strong>de e a marca definitivamente.<br />

No entanto, de ambos os lados dessa ordem, duas figuras<br />

simétricas, duas figuras inverti<strong>da</strong>s são testemunho de que há<br />

extremi<strong>da</strong>des onde ela pode ser ultrapassa<strong>da</strong>, mostrando ao mesmo<br />

tempo a que ponto é essencial não ultrapassá-la. De um lado, a<br />

tragédia. A regra do dia teatral tem um conteúdo positivo: ela impõe<br />

à duração trágica a necessi<strong>da</strong>de de equilibrar-se ao redor <strong>da</strong><br />

alternância, singular porém universal, do dia e <strong>da</strong> noite. O todo que é<br />

a tragédia deve realizar-se nessa uni<strong>da</strong>de do tempo, pois no fundo<br />

ela é o confronto entre dois reinos, ligados um ao outro pelo próprio<br />

tempo, no irreconciliável. O dia no teatro de Racine se vê sempre<br />

domi<strong>na</strong>do por uma noite que ele traz, por assim dizer, para a luz do<br />

dia: noite de Tróia e dos massacres, noite dos desejos de Nero, noite<br />

roma<strong>na</strong> de Tito, noite de Atalie. São esses grandes panos de noite,<br />

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